quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

2010


Queria estar inspirada. Afinal, é o meu último post do ano de 2010. 
O ano do desapego. Despego do status quo, da "estabilidade". Um ano de "tudo diferente". 
O ano das conseqüências das mudanças iniciadas em 2009. Mudança é mesmo um processo: ninguém muda de uma hora pra outra, ou só porque resolveu mudar. Mudar o outro então, nem pensar, esquece!
Um corte de cabelo novo e ousado não é a mudança em si: ele é o reflexo de uma mudança profunda e lenta. Muda-se de dentro pra fora, aos poucos, e dói pra burro.

É preciso relaxar. Saber curtir um momento, uma situação, uma paisagem, um mergulho, uma companhia. 
Nada se repete. Pode até ser parecido, mas não é igual, pois você mesmo já não é o mesmo que era na primeira vez. Você mudou, o outro mudou, e a relação também.
Por isso, não existe essa tal de "segurança". Ela é uma ilusão, um nome que inventamos pra o costume. Não pense que o que está acostumado a sentir não muda, que o seu parceiro não muda, ou os seus amigos... Os planos mudam, as expectativas, os sentimentos, as  idéiais ideias (e até as regras de ortografia)!
A única coisa que não muda mesmo é a rede Globo.
Sonhar nunca é de mais. É bom experimentar, pois qualquer dia desses o sonho pode mesmo tomar forma e cor bem na sua frente!
A leitura é outro tipo de relacionamento: com as personagens, a história, os cheiros e gostos. 
E a música... Ah! Fica até difícil falar. Música é companhia, é sentimento que pulsa em algum lugar entre o nosso coração, o do compositor, e as notas ouvidas (e porque não sentidas)?
É bom passar um tempo sozinho. De preferência com um café com leite, e jazz ao fundo. 
Ir ao cinema muitas vezes no ano transforma a vida de qualquer um. Fato. É um encontro com nossas próprias catarses.
Fazer terapia é libertador pra qualquer alma (e as que estão à sua volta). E não digo isso por ser terapeuta, mas cliente. 
Muitas vezes, a sua mudança alcança o outro e ele acaba tendo que mudar com você. É bom sentir a leveza alcançada por uma relação outrora cansativa. Se você se respeitar, o outro não tem alternativa a não ser te respeitar também.
O nascimento de uma criança gera um sentimento de perdão e alegria. E tudo se faz novo. 
Cultivar amigos faz brotar: sorrisos, poesias, presentes, risadas, viagens, memórias... um sem fim de bênçãos.
Entregar-se ao novo é fundamental. Dali abre-se janelas e portas bem largas que antes não tínhamos reparado.
É interessante permitir que as pessoas te surpreendam. Quebrar paradigmas nos faz mais humanos e menos "donos da verdade".
Falar é bom. Dizer não também. Tudo o que guardamos lá dentro, pode gerar doença. E doenças sérias! Se o outro não pensa assim, ao menos você se amou o suficiente para expressar o que sentia.
Não há sentimentos bons e maus. Tudo faz parte da nossa natureza. Não é feio ter raiva, é natural. Feio é dar um soco em alguém no trânsito, porque você não disse ao seu pai que não gostou da maneira que ele te tratou mais cedo.
O outro é um espelho. Talvez "aquele jeito" dele te incomode tanto, porque você gostaria de ser um pouco mais assim também, mas não teve coragem.
Deus as vezes coloca pessoas muito difíceis na sua vida, para que você aprenda com elas.
Vá com medo, mas vá! =)
Converse com sua criança interior de vez em quando. Pode ser que até hoje ela atrapalhe um pouco na sua maneira de ser. O que fez sentido um dia, hoje pode não fazer mais. Deixe que ela vá.
Fale dos seus traumas com alguém que confia. Fantasmas intocáveis tendem a crescer...
Toda escolha é uma renúncia.
Quando resolvemos entrar em contato com nossos problemas emocionais, nos tornamos livres, pois fica claro que temos sempre mais de um caminho a seguir: Existem opções! Repetir sem se dar conta não é saudável.
Construir algo seu traz uma sensação única! Fico imaginando como será ter um filho...
O mundo pode estar muito evoluído, mas trocar sempre será vital. A vida acontece no entre.
A relação com nossos pais muda sempre, e é bom vivenciar suas vantagens a cada nova fase.
O amor não deve ser egoísta. É preciso saber dosar.
A distância não necessariamente muda coisa alguma. O que muda é não aprender a lidar com a falta. 
Chore quando sentir vontade. Lágrimas não foram feitas para ficarem presas, assim com os passarinhos.
O estado do seu quarto está diretamente relacionado com seu estado de espírito. É bom arrumá-lo every now and then.
O twitter e o facebook são divertidos, mas não fazem companhia. Desligue-se de vez em quando. 
Viajar é fundamental. Mesmo que seja a 1h de distância.  
Comer com prazer faz bem a saúde!Exercitar-se também!
Relacionamentos são trabalhosos. E muito. Mas nada vale mais do que sentir-se cativado.
Sem fé nada disso seria possível. Deus transforma se a gente quiser. Mas Ele respeita nosso espaço....

Agradeço a todos os meus amigos, que viveram comigo esse ano de 2010. 
Amo muito todos vocês! 
Que 2011 seja um ano abençoado, rico em amor, paz, saúde e muito aprendizado! 
Beijos!

domingo, 5 de dezembro de 2010

Sem teto e sem chão





Era uma tarde cinzenta. Lá estava, num banco de praça. Um banco que nunca havia sentado antes, numa praça que costumava ignorar. Toma um gole de café. A bebida desce quente pela sua garganta. Suspira. Quase pode ouvir o tic-tac do relógio. Um pássaro passa voando. Então, lembra-se dele. Mais um gole...

Palavras lançadas ao vento, certos abraços apertados, detalhes quase imperceptíveis: um passo mais lento, um olhar ensurdecedor, risadas cegas, gestos soltos, um piscar de olhos, talvez. O carinho que faltou, o atravessar paralisante, o descaso desconcertante. A falta.
E esbarravam em medos, regressavam sem soltar. Embaraço. Como um nó sem nós, envolto num laço frouxo e disforme.
Histórias escritas nas esquinas de uma cidade sem silêncio. Cúmplice. Histórias essas, regadas por xícaras de café, pelo balanço do metrô, nas entrelinhas de tantos livros espalhados, nas notas de um jazz desafinado. Reféns de palavras nunca ditas. Laço construído e desapegado, frágil, abandonado. Afeto sem teto, sem chão. Emoção provocada e lançada ao vento, procurando-se desfazer.
Roubou dela o respirar, o leve repousar e algumas lágrimas. Deixou em troca poesias, humildes conclusões e um mergulho em si mesma.
Encontro desencontrado, perturbado, profundo e raso, certo e tão duvidoso. Dor que se desdobra, só dorme um pouco, até que acorda. Fantasia, lembrança, vento...
Um esbarrão, um susto, um parêntesis: tem sua importância, carrega dentro de si um sentido. Mas a história continua com ele, apesar dele.
A dor, o frio na espinha, o acelerar dentro do peito: o tempo levou... fez voar. Levou também os diálogos, as fantasias, e (quase) todas as esperanças. Levou o que o vento um dia trouxe.
E o que ficou, era então, só dela. Só lhe restava colher os frutos e as flores pelo caminho.

Levanta a cabeça do livro rabiscado à sua frente. Mais um gole. Apenas fragmentos de uma história de (des)amor.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Sobre o nosso laço

Já falei dela algumas vezes. Já escrevi sobre ela. Já chorei com ela, sem ela, e por ela. Já ri um tanto por causa dela! Ja reparti com ela, já somei, já dividi e multipliquei. Já vivi dores profundas, já me axaltei, já errei. Já pedi perdão, já me envergonhei, já sarei. Já sorri sorrisos largos, mas nunca amarelos. Já ganhei o céu, por causa de um olhar dela... Já a ouvi cantar e me encantei. Nunca desencanto dela. Já ouvi histórias, já contei, recontei, detalhei, narrei... "cronologicamente". Já decorei seu piscar, seu caminhar, seu desembaraçar. Já aprendi com ela - e como! Já ensinei, já troquei, já fotografei. Já comemorei, já subi em árvore, já viajei. Já servi com ela, já recebi e também doei. Já abri os braços pra ela, e também já disse "até logo". Já entendi o pra sempre, quando ela chegou. Já vivi sem ela, mas isso eu não posso mais...

Parabéns pelo seu dia, minha flor.
Longe ou perto. Meu laço eterno.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Cores e sonhos

 
Sonhos costumam ter cores, muitas cores! Sons, tamanhos, pesos, medidas, listras e bolinhas coloridas. Sonhos têm vida, têm brincadeira, têm riso. Trazem consigo um tanto de humor, de energia... Aquela que muito contagia.
Sonhos tem gente, uma porção delas. Gente que ajuda no sonho, gente que faz parte dele, gente que ganha com ele.  Tem também aquelas que vão se achegando no caminho e fazem o sonho crescer. Às vezes, elas transformam o sonho um pouquinho, deixando sua marca. Mas têm aquelas também que mudam o sonho por inteiro, dando um sentido totalmente novo a ele! É um presente pro sonho quando elas aparecem... Suas ideias são únicas e mágicas!
O sonho às vezes têm vírgula, quando é preciso batalhar por ele por um tempo. Ou um ponto de exclamação, quando se tornam realidade e somam sonhos novinhos em folha! Os sonhos só não têm medidas.
Sonhos às vezes tropeçam... Mas não caem jamais, especialmente quando foram colocados pelo Pai no coração. Lá eles ficam seguros, quentinhos, só esperando para serem gerados. Sim, alguns precisam de um tempo maior pra nascerem. Se saírem mais cedo do aconchego, correm o risco de não terem força o suficiente, e se perdem no vento. É triste de mais quando isso acontece. Toda vez que chove muito lá fora, foi um sonho que se perdeu. O céu não aguenta de tristeza...
Sonhar é ter o mundo inteiro dentro de um só coração. É o desafio da física, da anatomia, da realidade...
Um sonho mereçe tudo, mas nunca um ponto final...


segunda-feira, 1 de novembro de 2010

De trás pra frente


A vida só faz sentido, quando observada de trás pra frente.

Seguindo portanto, na ordem cronológica, vou balançando e cantando, segurando para não cair.
Um dia, tudo há de se explicar, um dia o sentido me encontra, e pode até me fazer cair
na risada.

A vida
só faz
sentindo.

domingo, 19 de setembro de 2010

A arte da contemplação

Muitas coisas me inspiram.
Mas a mais pura verdade é que a nossa vida como membros de uma metrópole caótica, mais destrói, desintegra e maltrata, que o contrário. A vida como a conhecemos hoje nos informa tanto que perigamos permanecer na superfície. É o momento onde a diversidade e a facilidade nos engolem. Estamos sujeitos a, da mesma forma, construir laços rasos e fracos, tanto com as pessoas quanto com o próprio Deus. Muitos não procuram sequer conhecer-se a si próprios, e entender suas particularidades mais profundas. Tudo está ao nosso alcance, os desejos foram liberados e portanto, misturados, confundidos, distorcidos. A existência pode girar em torno do nosso próprio umbigo, e com ela, vem a sensação de que corremos atrás do vento.
A cada dia sinto que o segredo está no mais simples: parar, olhar em volta, contemplar o céu, que nos fala de nós mesmos, do caminho diário, de uma busca, de um encontro. Tudo tem seu lugar, seu tempo. A vida não precisa ser corrida, atropelada, acelerada. A vida pode ser um simples olhar para o céu, o contemplar de um pôr do sol. Espiritualidade, paz, presença de Deus, nada disso é complexo, ou distante. Está ali, no voo de um passarinho, nas cores de cada flor, no sol, nas estrelas, na força do vento. Deus nos fala, nos canta, nos chama para que entendamos que o nosso coração precisa dessa paz e desse sopro. Mas a diversidade para que somos chamados não nos permite enxergar o que é mais singelo.
É sufocante tentar segurar o tempo, atrasar os ponteiros do relógio, aproveitar ao máximo, entregar tudo certinho, produzir em tempo integral, agradar a todos que reclamam nossa presença, ser pai, mãe, ser forte, magra, rico, filho, irmão, amigo, marido, funcionário, chefe, mulher, homem, ser humano... Muitas vezes nos perdemos em tantas versões de nós mesmos dentro de uma realidade completamente disfuncional. As pressões são constantes, vem de fora e de dentro, e tem nos feito adoecer. A cura está numa existência que procura investir no que vem de dentro para fora. O caminho é contrário ao que nos é forçado goela abaixo: silenciar o coração, assistir à beleza de Deus revelada através da natureza, ouvir com a alma. O pôr do sol é democrático, não há quem não possa observá-lo. A oração, a meditação, nos fazem criar fronteiras com o mundo barulhento e guardar o nosso coração.
Graças à Deus, muitas coisas me inspiram...

* Inspirada pela pregação do Pr. Leandro, e pelos espetáculos diários, que não me canso de contemplar.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

E você? Tem medo de que?

Medo de cair
de não subir
Medo de errar
e de desistir
Medo de perder
de machucar, de exagerar
Medo as vezes de respirar
Medo de continuar, de acreditar
Medo de escuro, de barulho
e as vezes, medo do silêncio cortante
Medo de magoar, de marcar
Medo de não esquecer
Medo de querer, medo de se perder...

E ela, 24 anos de idade, missionária na China, que vivia num constante risco de ser morta, ao ser questionada quanto ao medo de morrer, responde assim: "Não. Só tenho medo de viver sem ter feito a vontade de Deus. Esse é meu único medo".

Medo de não ser esse meu único medo.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Tom diferente

Os dias transformam
a escuridão em luz
as cores do céu,
o brilho do sol em lua,
o breu em estrelas brilhantes.

O verde da fruta dá lugar ao amarelo
As folhas, as flores, as marés...
Tudo muda no espaço dos dias.

Os dias transformam esbarrões em encontros,
conversas em trocas,
abraços em laços,
asas de borboleta...

Como em uma dança circular,
o presente vai virando passado
e o futuro, presente se faz.
Sempre em ritmos diferentes a dança acontece:
Por vezes, lenta como uma valsa
por outras, apressada no passo de um forró.

O dia faz crescer as crianças,
aumenta a saudade
e encurta a espera.
A lágrima se desfaz num sorriso,
gerando esperança,
brotando arte.
A falta encontra aconchego
e a busca, um tesouro.

Nessa dança filho vira pai,
e pai (re)vira criança.
A mudinha se torna uma grande mangueira
as ruas de terra viram estradas.

Os versos se unem em música
A pescaria transforma-se em um belo jantar
Os sonhos um dia se tornam viagens
E mais tarde, lembranças em fotografias.

Tudo começa, cresce
e um dia chega ao fim.
Seja porque não se vê,
ou porque já não se sente.
Cada dia tem um tom diferente.

A única coisa que se sabe,
é  que enquanto estivermos na pista
a dança continua.
O tempo todo...

Basta um dia de cada vez.

Take your time, do it slow sometimes
Look around, take a breath
Respect you own feeling and be true.
But keep on dancing.
No one else can do it for you.

"Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal." Mt 6:34

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Sobre a fotografia

Hoje é o dia mundial da fotografia!
Muitas coisas tinham vindo à minha mente hoje, mas saber dessa data me fez desviar de todos os outros assuntos.
Por hoje, que as imagens falem por elas mesmas!

Há cor na cidade!
































"Nós que passamos apressados
 pelas ruas da cidade
 merecemos ver as letras
e as palavras de gentileza..."

=)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Casando



Casamento...  palavra sólida, cercada de conceitos preestabelecidos, e para a maioria dos meus amigos: planos completamente distantes. (Será que daria para chamar de plano?) rs.
Pra mim tem sido diferente: sonhos, planos, preparativos. Não é pelo vestido branco, pela festa, nem mesmo pelas fotografias (juro!!), mas pelo desejo de juntar as rimas, as escovas, os sonhos. Sei que não será fácil... Não tem como ser. Somos diferentes, por vezes opostos. Ele gosta de levantar cedo, eu durmo até não pedir mais... Ele fala muito, eu até que gosto de um silêncio. Ele assiste àquele filmes bobos e dá risada como criança, e eu fico com a língua coçando, morrendo de vontade de criticar a cena. Mas ainda assim, há o encontro. Ele me bota os pés no chão quando a objetividade me falta, e segura a minha mão para criar novos sonhos comigo. Me mima, me enche de carinho e de certeza que podemos ir mais longe. Que o caminho se multiplica enquanto andamos por ele.
Quem conhece minha história de vida sabe que não fui uma menininha que fazia do lençol branco um véu de noiva, nem muito menos achava que casaria com cada cara que conheci durante a adolescência... Filha de pais separados – e (re)casados, e (re)separados, (Ufa!!), nunca idealizei de mais essa história de casamento. Mas como psicóloga não freudiana (com todo respeito, acho o cara um gênio), não creio que estamos fadados ao fracasso, à repetição do que nos foi exposto através dos nossos pais, ou à incapacidade de escrever uma história diferente daquela. Justamente por tê-la vivido assim, é possível desejar o diferente. Acredito na saúde, na força do ser humano e é claro – no desejo de tornar consciente aquilo que não se quer repetir. De outra forma, sei o quanto somos capazes de nos tornarmos vítimas das histórias prévias (mas isso já é outro assunto). Jovens de mais? Para sonhar, dividir dores e somar amor? Não acho que o número de bolos de aniversários tenha nada a ver com isso.
Sei que obstáculos virão (acredite, já me deparei com alguns ao longo do caminho...), mas creio no milagre do amor. Na reafirmação diária, no desejo de fazer o outro mais feliz. Faremos os votos na certeza de que sozinhos seremos incapazes de cumpri-los (sim, isso mesmo). Mas também na certeza de que o amor sem medidas do Pai, que um dia eu conheci, é o que tornará possível. Muitas coisas especiais na minha vida são invisíveis: o amor, a paz, o calor, o vento, a música, a sintonia com o outro... e algumas outras, pelos meus 3 graus e meio de miopia, tornam-se borradas. Fazem-me lembrar que só se vê bem com o coração. E para que o coração não se engane, é preciso estar juntinho daquele que tem a “visão além do alcance”. =)
Seremos três.  E apenas um.  
Amém.
Amem!










quinta-feira, 24 de junho de 2010

Todas as idades do mundo

Desperto às 2h da manhã num susto
As lágrimas escorrem, quero colo
um colo que me aninhe sem cobrar nada
me sinto aos 5 de novo
e volto a adormeçer.

Nas primeiras horas do dia
os pensamentos preenchem a lembrança do sonho infantil
e as preocupações me invadem
Tomo meu café lendo o jornal
e me sinto aos 90, numa velhiçe sem ânimo
ansioso por um pouco de nada.

Vou para o trabalho, mais um dia que passa
com o correr das horas tudo faz mais sentido
Perco um tempo no trânsito,
mas ganho outro com um amigo
Faço planos, mexo no passado
e brinco com a sobra que se recria em mim
Quero dançar, correr
e fotografar a chuva a cair

O chefe chega, sou adulto
logo volta a concentração
Me enquadro e me perco constantemente
Ninguém é como eu
mas sou como todo mundo

Já são seis horas, posso sair
Que será que me aguarda do lado de fora?
Desejo que pulsa, opções sem fim
Ainda que os caminhos só existam quando passamos por eles
Ligo o meu carro
afasto o pensamento adolescente
Já em casa, beijo minha filha
e conto pra ela uma história
pra que ela durma em paz

O sono reaparece e volto a sonhar
É então que percebo: tenho em mim todas as idades do mundo.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

AnaJulia

Saudades de você na minha casa, de te ligar assim que algo importanto acontece, do seu sorriso pra mim, do olhar maternal, de sentir seu abraço, de chorar no seu ombro, de te dar as mãos, de ver filme, comer feito loucas, fazer brigadeiro com bolotas, rir até a barriga doer. Saudade de dividir segredos, de expor a alma, de me (re)conhecer em você. Saudades da gargalhada gostosa de Cauã, de fazer cosquinhas no joelho dele e de pensar ao vê-los juntos que um dia quero ser a mãe que você é.
Saudade das nossas orações tão sinceras, num quarto-secreto com lugar para três. Saudade da sua voz, fosse no tom que fosse. Saudade do seu cantar e do vôo que nossas mentes faziam juntas. Saudade da presença física, de saber que te tinha "logo ali".

Não estamos separadas, não na mente nem muito menos no coração, que é um só. Os emails me alegram e emocionam, são o colorido dos dias. Espero o dia de matar a saudade do que a internet não nos permite viver. Mas enquanto isso, daqui, sorrio e te abraço como posso.
Comigo mesma, penso em paz: esse laço nenhuma distância desfaz.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Despertar

Encontraram-se por acaso. A sensação inicial foi de inquietação e nervosismo, seguidos de um êxtase corporal que parecia circular na velocidade da luz, percorrendo desde a testa até os dedos de seus pés. A respiração acelerava e ela pensou "tudo bem, é sempre assim, tudo bem, acalme-se, não vá deixar que ele perceba!". Aos poucos conseguiu demonstrar a tranquilidade que queria, caminhou segura em sua direção e abriu a boca para expressar todo aquele sentimento que a engolia:
- Oi, tudo bem? - Foi tudo que sua boca a permitiu cuspir. E na mesma hora pensou consigo mesma: "Quanta bobagem!" Ele respondeu alegremente, com aquele jeito só dele, de quem não tem pressa e se sente inteiramente satisfeito na companhia dela. Instantaneamente, viu-se saudosa. Iniciaram um diálogo inocente, cheio de meias palavras e tentativas frustradas de permanecer na superfície. Em alguns minutos, ele propôs:
- Vamos dar uma volta depois daqui? Só preciso pagar duas contas, é rapido. - Ela não pensou duas vezes, e balançava a cabeça concordando. Talvez a cabeça tenha balançado antes mesmo que concluisse qualquer pensamento organizado. "Sim, sim, sim", era só o que parecia brotar de si mesma quando ele surgia. Isso aconteceu aparentemente em dois segundos, enquanto ele completava - Assim matamos a saudade. - O fez de forma natural, espontânea, mas a cada palavra doce e aparentemente desproposital que ele emitia, tirava-lhe as forças. E suas barreiras, construidas com tanto vigor, iam sendo derrubadas, uma a uma.
Não se lembra ao certo o que aconteceu depois. Logo estavam dentro do shopping, fazendo o que mais parecia um pic nic. Sim, era uma idéia completamente inusitada, quem faria um pic nic dentro de um shopping?! Mas ali estavam ambos, sentados no chão, com uma certa proximidade corporal e uma sintonia emocional enorme. Era como se não tivessem se separado em momento nenhum.
Haviam pães e frutas espalhados na toalha quadriculada estendida no chão e eles não tinham pressa de nada. Ele segurou sua mão, e a acariciava vagarozamente, como quem quer congelar um momento e guardá-lo para sempre na memória. Olhava-a e ela fervia por dentro. Um casal conhecido dela passou, e ela rapidamente puxou sua mão de volta. Comprimentou-os envergonhada, e disse a ele, enquanto olhava-os ir embora:
- Eles conhecem o Miguel. - A tristeza logo tomou conta de seu semblante. Ele não disse coisa alguma, tomou-a pela mão novamente e seguiu concentrado naquele ritual mergulhado em poesia. Algum tempo depois, ouviram gritos e à volta deles pessoas corriam desesperadamente. Levantaram sem pensar e correram para fora do shopping, ela ia na frente, puxando-o pela mão. Correram para longe, cercados de horror. Num dado momento, bandidos fortemente armados os fizeram parar, assim como muitas outras pessoas que se encontravam na mesma situação. O cenário havia mudado, estavam numa casa de madeira e vidro, numa rua meio deserta. Foram todos colocados sentados no chão, sob a mira de revólveres assustadores e ameaças descontroladas. "Que dia mais maluco!", pensavam, de mãos dadas o tempo todo. Sentiam-se mais seguros, cumplices um do outro. Se fossem sentimentos ao invés de pessoas, seriam sentimentos parecidos, como doçura e pureza, ou mesmo rancor e orgulho. Eram um par ali, encaixavam-se em suas faltas. Os bandidos eram assustadores, mas algo parecia acalmá-los internamente.
De repente, o céu azul se desfez em nuvens carregadas, que vinham de baixo para cima, invadindo o horizonte. A aparência do cenário trouxe medo, uma grande tempestade se organizava com uma rapidez incrível. Todos então corriam para dentro da casa, já não era possível diferenciar bandido de gente comum. Os dois correram para os fundos e subiam as escadas tão rápido que a própria respiração os faltava. No segundo andar, quando toda a água já alagava deixando muitos afogados para trás, ele tropeçou e teve dificuldade nos passos seguintes. Ela voltou, puxou-o para cima, trazendo-o para perto de si. Continuaram mais um pouco, exasutos. Correr tanto os deixava muito cansados e com a sensação de continuar no meio daquela confusão. Era como se nada passasse, mesmo com toda aquela determinação e os passos largos. No terceiro andar, ele já estava muito fraco, e ao tentar subir caiu e um pedaço de ferro que inexplicavelmente feriu sua testa. Ela olhou para trás já preparada para trazê-lo para junto, mas perecebeu que a feriada havia sido profunda de mais, muito mais que ela pudesse esperar. Num momento de dor desesperadora, percebeu que ele já não vivia. Todo o contexto de fuga e de medo parecia se apagar, ao mesmo tempo em que se transformava em outro universo muito maior. "Morto?! Como assim?" Não fazia sentido nenhum, e ao mesmo tempo ela sabia que não tinha mais jeito. Chorava copiosamente e carregava-o em seus braços. A chuva pouco importava, e muito menos o revólver. A vida se fôra, o amor, a esperança e tudo mais que não havia sido vivenciado. Enquanto caminhava, ele ia caindo de seus braços insuficientemente fortes, e ela o deixava. "Que fique pelo caminho, então". Antes de abandoná-lo, encontrou no seu bolso um papel dobrado, mais parecido como uma carta. Que dizia:
- O pé de algodão que transforma-se em broto não vira nunca uma mangueira gigante, mas ainda assim dá seus frutos. O tempo de vida dele pouco importa. Nem toda lagarta vira uma borboleta azul piscina, mas aprende a voar de forma graciosa. Um menino do interior que sonha em ser atleta não necessariamente será "achado", mas seu desejo pode levá-lo a muitos outros lugares. Você já deve ter me entendido, como de costume. Nem tudo o que é concretizado é mais bonito, mais real ou precioso. Algumas coisas não conseguem passar da fase do encantamento, mas por um motivo qualquer, são as que deixam marcas mais profundas. Assim foi você em mim. O que vivemos e o que não vivemos tornou-se uma mistura de saudade aqui dentro. Tá aqui, bem guardado. Desejo que você tenha sempre muito amor, e que essa forma única que você tem de existir nunca deixe de tocar, como fez comigo. Sorriso largo dentro de mim por sua causa. Um beijo com um carinho interminável e uma saudade impossível de se medir.

Por dentro, um misto de dor, saudade e vazio. "Como aquilo tudo poderia estar acontecendo?" Foi quando no fundo uma música começou a tocar, bem de leve... "o peito agora dispara, vive em constante alegria, é o amor que está aqui". O som se tornava cada vez mais alto. Sentou-se num pulo. Era o som do seu despertador.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O dança do tempo


Quando eu tinha meus 7 anos, minha avó adorava me mimar. Em sua casa nunca faltava um bombom ou uma empadinha, e como boa gordinha que eu era, nunca negava um só agrado dela. Ficava horas me ofereçendo guloseimas e muitas vezes para me distrair íamos passear na praça Sans Peña (que pouco se parece que o Rio de Janeiro que reconheço hoje). Eu adorava passar tempo com ela. Quando tinha uns 5 anos mais ou menos, ela vinha pra minha casa às quartas e eu logo dizia alegremente: "hoje é sassacêla, a vovó chegou!!" Juntas jogávamos baralho, brincávamos de casinha e fazíamos até aniversário de boneca, uma festa de verdade, com direito a bolo e parabéns! (Coisas de quem cresceu como filha única, rs). Mas de toda essa alegria, me lembro como se fosse hoje da minha parte preferida: a hora de dormir. Isso porque ela tinha toda a paciência do mundo, me botava pra dormir com ela e contava historias. Eu pedia que ela contasse, mas não podiam ser histórias já conhecidas, tinham que ser "historias inventadas". E então ela narrava algumas que eu nunca tinha escutado, sem saber se inventava  na mesma hora... Mas pouco importava, meus olhos brilhavam a minha criatividade pulsava ao imaginar o gigante bonzinho de quatro olhos. Quando somos crianças não temos muita noção do que vai nos marcar. Não sei porque, mas nunca esqueci as histórias que ela me contava. Sei todas, e já não são inventadas, tornaram-se histórias decoradas.

Anos se passaram... Minha vó já quase não fala. Fica me olhando com olhos ternos, fortes, focados nos meus. As palavras não acompanham mais, mas ainda a sinto, sinto sua presença no seu olhar e na mão que aperta forte a minha. E hoje posso olhar pra ela e lembrá-la do gigante bonzinho de quatro olhos e simplesmente torcer pra que ela também sinta o que um dia eu senti: o carinho de quem te vê crescer.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Sonho








Porque sonhar é bom e faz crescer.

E Deus tem me dado asas... =)
http://www.flickr.com/photos/anamelc/


E citando Alice: "Pense em seis coisas impossíveis antes do café"

sábado, 17 de abril de 2010

Palavras doces (porém um tanto amargas) de uma querida amiga

“É mesmo um caso de amor, desses que ninguém destrói, Jorge Roberto Silveira e o povo de Niterói”

           " Nascida e criada em Niterói, foi muito duro pra mim ter vivenciado essa última semana. A chuva que deixou o Estado do Rio de Janeiro davastado teve a cidade de Niterói como uma de suas principais vítimas. Obviamente isso não foi uma implicancia de São Pedro com a cidade mas sim um descuido total do Jorge Roberto Silveira que há alguns anos é o prefeito de Niterói. Depois de alguns dias “ilhada” na Região Oceânica resolvi escrever esse texto como um desabafo.
            Moro numa região privilegiada de Niterói, a Região Oceânica. Os acessos que levam até esta área sofreram graves desmoronamentos e a região ficou isolada. Sem internet e telefone, tentei acompanhar todo esse caos pela televisão. Mais uma vez a mídia dominante se mostrou eficiente para aquilo que se propõe: comercializar a pobreza, legitimar o extermínio e ocultar as reais razões dos fatos. Fiquei pensando em como a máquina de captura é eficiente, pricipalmente depois de assistir o Fantástico deste domingo. O programa mostrou durante um tempo significativo cenas de favelas que foram completamente soterradas e as equipes de resgates nesses locais. Depoimentos de pessoas que perderam suas casas, familiares, amigos e histórias fizeram lágrimas rolarem do meu rosto de maneira desenfreada. E é exatamente por isso que eu afirmo que a captura é eficiente. Em nenhum momento da reportagem foi noticiado o que realmente importa: porque essa chuva foi violenta? Quais foram as políticas públicas que foram ignoradas e propiciaram essa tragédia? Porque só filmaram as áreas de risco da população pobre? Quais serão as medidas adotadas agora para essas tantas famílias que estão sem suas casas? Usar o sofrimento humano para tocar as pessoas (comercializando a pobreza) e a partir disso desviar as perguntas essenciais é uma violência tão cruel quanto a força das águas que deixaram o Rio de Janeiro aos pedaços. 
            A limpa nas favelas é um tema que vem de outros carnavais, ou melhor, de outros jogos esportivos. A chacina ocorrida no Complexo do Alemão em julho 2007, durante o governo do Sérgio Cabral, teve como desculpa a segurança para os jogos pan americanos. Apesar do apoio da mídia dominante e de grande parte da população, esse ato teve como resposta manifestações de repúdio contra essas ações. Com os jogos Olímpicos a caminho foi preciso pensar em novas formas de limpezas (poderia falar das UPP´s mas isso tiraria o foco da onde quero chegar) e de desculpas para as mesmas. Neste sentido parece que as chuvas vieram a calhar, elas estão sendo o evento que precisava para legitimar o extermínio total das favelas. Sou uma pessoa a favor da vida e não nego a necessidade da retirada de famílias de áreas de risco. O que me deixou surpresa foi perceber que no mapeamento das áreas de risco só haviam favelas. E as áreas nobres, porém também de risco, em São Conrado? E as grandes casas da Estrada Froz de Niterói? Repito, não estou negligenciando aqui a necessidade de remoção de certas famílias de suas casas mas acho que devemos pensar cuidadosamente para que não haja uma nova forma para um mesmo extermínio.
            Outro ponto que pensei foi sobre as assistências que as autoridades estão dando as famílias que estão sendo removidas. Isto porque, com a ajuda da mídia dominante, mais uma vez, está se implantando a idéia de que os pobres não querem sair de suas casa mesmo sabendo que estas estão em áreas de risco, logo a culpa é deles. Essa premissa poderia até ser considerada verdadeira se não fosse pelo fato do ser humano ocidental ter um histórico de buscar adiar a morte ao máximo (basta prestar a atenção nas tecnologias da medicina) e ser “adestrado” na sociedade pela busca de sua estabilidade (instituição família, o trabalho, os estudos). Se viver no limiar da morte é a “escolha” de algumas pessoas, quais foram as opções dadas a elas? Em Niterói e em Maricá os prefeitos abriram escolas e outros espaços públicos para servirem de alojamentos como medida emergencial. No Rio, Eduardo Paes disponibilizou para algumas famílias uma bolsa de 400 reais durante um ano para cobrir o aluguel de suas moradias (gostaria de saber onde encontrar aluguel a esse valor no Rio de Janeiro). Mais uma vez a população pobre fica vulnerável ao assistencialismo enquanto deveriam estar amparados por políticas públicas. Essa é uma história antiga e que se repete: 1888, a abolição da escravatura é uma data importante marcada por lutas e resistências. Mas também foi marcada por um descaso com os escravos que foram soltos pelas ruas sem amparos de políticas públicas inalgurando no Brasil uma significativa população de rua e também instituições e estratégias de esconder/eliminar essa população.
            Assim como tivemos no verão temperaturas acima do normal, estamos passando agora por chuvas também nunca antes vivenciadas. Essas transformações não são ao acaso, isso tem um motivo. O planeta é um grande organismo vivo, um grande sistema. Quando algum fator o desiquilibra, todo o sistema é modificado. A natureza está nos alertando pra algo que já deveriamos estar mais atentos: é necessário ter um olhar ecológico para guiar nossas vidas. Para isso é preciso consciencia ambiental (educação, no mais amplo sentido da palavra. Educação nas escolas, educação dos afetos – percebendo a si e ao outro -, educação para compreender as diversidades e a vida). Também é preciso modificar o modelo capitalista/do consumo que vivemos e isto é uma tarefa do cotidiano, dos hábitos. Todas as leis, os modelos, as culturas, as moralidades e imoralidades dentre tudo que nos cerca na vida foram construidas por nós, seres humanos. Por isso temos que nos perguntar que tipo de sociedade queremos, de fato, construir. Com essa fala eu não quero desculpabilizar prefeitos, governador e presidente e colocar a “culpa” da chuva no povo. Muito pelo contrário, quero reforçar que a ecologia é uma linha que caminha junto com a política, elas são a solução – ou não – para o nosso país. Por isso é necessário prestar a atenção nas ações e propostas de candidatos, principalmente neste momento de eleição.
            Para finalizar gostaria de comentar sobre a fala do secretário de obras de Niterói, Mocarzel. Quando questionado sobre o porque de Niterói ter sido a área mais devastada de todo o estado do Rio de Janeiro, ele respondeu que isso aconteceu pelo fato de Niterói ser espaço geográfico com muitas montanhas e pelas chuvas tão fortes e inesperadas. A explicação dele teria sido irônica se o assunto não envolvesse tantas vidas. Como secretário de Obras e Serviços Públicos, diretor da Fundação Parques e Jardins e conselheiro da Secretaria estadual de Urbanismo e subsecretário estadual de Integração Social, eu esperava dele apenas a sinceridade: problemas devido a especulação imobiliária, pelas obras “furrecas” para uma boa aparência a cidade e um descuido com aqueles que só são cidadãos de direito quando convém. O caso de amor entre Jorge Roberto Silveira e o povo de Niterói, que já estava destruido há muito tempo mas que só foi trazido a tona agora precisa ser rompido de vez! Apesar de achar que ele tem responsabilidades neste caso da chuva, não o culpo como único elemento nesta história, mas acredito que ele é um simbolo forte que ajuda em uma típica crença niteroense: “Sr. Prefeito Fulano pode até ... mas pelo menos ele faz”. Vamos parar com isso galera! Vamos “aproveitar” essa tragédia pra nos fortalecer e lutar, cada dia mais, por uma sociedade que respeite a vida e legitime os direitos sociais. Vamos gritar, denunciar, exigir e transformar.

Obrigada a todos que tiveram paciencia de ler até o fim,
Flavia Villa Verde."

segunda-feira, 29 de março de 2010

As horas escorrem.


As horas passam. Uma, duas, três. O raio corta o céu negro, a chuva cai sobre a pele clara. Quatro, cinco, seis. A chuva não pára. Molha as flores, os rios, os carros sujos. O excesso afoga a menina, nascida em berço de ouro. A falta encobre o menino, que nem berço teve. Uma janela é fechada pelo vento forte. Logo depois, duas outras se abrem, pelo mesmo vento que soprava. O velho não corre. Já cansou. Apóia sua bengala no chão da rua, antes molhada. Sabe que tudo o que jorra, chega a um ponto em que seca. Tudo que transborda, pode cessar. Não lamenta mais o excesso de chuva,nem a sua falta, nem a rua escura, ou a claridade que cega. Não espera um tempo ainda por vir, nem suspira pelo que já não é. Senta, e contempla. Liberto das amarras temporais e ao mesmo tempo preso ao pouco que lhe resta. As horas passam.

"Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas".
Quintana. 

domingo, 21 de março de 2010

Sunshine: do lado de dentro.



O lugar chamava-se saudade. Ficava em algum ponto entre a primeira longa conversa ao telefone e o beijo roubado naquela sala. Não pense que se tratava de um caso de amor, era bem mais que isso: uma verdadeira amizade. Quem olhava de longe, enxergava apenas uma menina tímida e um cara falante que se divertiam às custas de suas diferenças. Para eles, significava bem mais. Trocavam não apenas confidências, mas conselhos regados de compreensão. Ele ouvia tudo sobre o primeiro namorado dela e ajudava-a nas provas de física. Ela foi a primeira a entrar no seu carro novo quando ele mal sabia dirigir. Dividiram leituras, filmes e viagens (em sua maioria, mentais). Engraçado como suas faltas pareciam encaixar-se e por vezes confundir-lhes. As palavras de um esbarravam na do outro e o autor já não importava: entendiam-se. Quando estavam juntos, as máscaras não só caíam, como despencavam, e as diferenças transformavam-se em longas pontes, capazes de subir e descer altas colinas. Mas de algum jeito, o tempo e uma confusão chamada desejo, pareceram esmagar a intimidade longamente construída. “Nossa intimidade era grande. Cresceu tanto que chegou até o teto, e caiu.” Era mesmo isso. Aos poucos as longas conversas resumiam-se a olhares constrangidos, os abraços sinceros a toques tímidos, e encontros semanais a esbarrões esporádicos. A relação havia ficado rasa. Ganhou tanta cor, que desbotou. Entenderam como “mais” podia mesmo torna-se “menos” e resumir-se um dia a quase nada.
Mas ela sabia que nada mudaria o peso daquele encontro, precioso como poucos. Que com ele havia descoberto certos pedaçinhos de si mesma que até hoje estavam com ela, o que significava que ele continuava ali: não perto, mas ainda assim, do lado de dentro.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A própria história

Por vezes heroína
por outras até mesmo vilã
Porém creio que o pior dos momentos seja quando me reconheço como apenas figurante da minha própria história: observando passivamente os dias passarem.
Não! Isso eu não aceito. Abaixo à passividade!
Ouça mundo, estou passando, estou mexendo e empurrando.
Eu sei, estou embaralhando, mas eu posso, o mundo é meu.
E quando tudo acabar, penso eu, terei gritado
terei falado, despido e despedaçado.
O sentido não é calado
É calar a dor.
E se precisar gritar, que seja grito então...
Já há mudos sobrando nesse mundo sem mudanças.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cuide de você

 

"Cuide de você", era o que dizia no final de sua carta. Aquelas palavras me foram tão cortantes quanto... Bem, chega a ser difícil encontrar uma comparação para o que eu senti. Era como se, aos 10 anos de idade, me tivessem tirado a bicicleta nova e dito simplesmente: "vá a pé". Não fazia sentido, me parecia simplesmente frio que me falasse para cuidar de mim mesma. Para mim, não demonstrava carinho ou preocupação, soava, pelo contrário,  um "dane-se" camuflado, palavras duras maquiadas de conselhos na realidade totalmente superficiais. Durante toda sua narração, ele havia me responsabilizado pelo término, ao mesmo tempo em que se colocava no lugar de vítima, como sempre o fizera. No iníco (não consigo mais imaginar como), eu achava aquilo charmoso. Hoje podia entender como seu charme era vazio, baseado em uma filosofia barata. Nunca me sentira tão exposta, tão desrespeitada. Mais que isso, tratava-se de uma violência literária, de um mau uso de palavras, de um atropelamento escrito do meu coração, da minha pele. Sentia que aquelas letras haviam se juntado para atormantar-me sem prazo final, e que eu de alguma forma não era mais Sophie, não era mais mulher, era sim um conjunto de frases jogadas fora e amontoadas pelo meu corpo de forma feminina. Mas era o Bê, ainda assim. Foi com ele que aprendi a ser mulher, a calar e gritar, na mesma proporção. Juntos fomos ao Japão, à Grécia, à Praga, ao Chile, à Marte. Ele me levava para lugares que eu nunca sonhara conhecer. E hoje ele havia me levado ao inferno, com suas palavras rasas. Incrível como algo tão monótono pudera me alcançar numa profunda dor, a qual era impossível encontrar o fim - ao menos até então. Foi quando pensei que não havia de ter sido o mesmo Bê. Talvez fosse outro hoje, não se tratava do homem das fotos reveladas e expalhadas pelo meu quarto, ou daquele que cozinhava comida árabe no nosso apartamento enquanto eu ria de suas histórias. Sempre soube que ele não era o mesmo quando estávamos com outras pessoas, sempre soube que durante o nosso relacionamento, ele nunca havia sido fiel. Mas eu escolhia me enganar e acreditar que ele não encontrava mais as outras três. Não queria ser a quarta, e ele sabia disso. Me prometeu lealdade e eu escolhi crêr que seríamos felizes enquanto durasse. Escolhi confiar no homem que projetei nele, homem que na realidade, ele nunca foi. Ele havia crescido numa família aparentemente estruturada, quase banal, mas aprendeu sobre a vida completamente sozinho. Nunca aprenderia a dividir, ao menos não até que decidisse fazê-lo. Eu não poderia decidir por ele. Mas por três anos, achei que seria capaz. Quando estávamos juntos, eu me sentia inteira, amada, cuidada e única. Sentia no seu olhar uma capacidade de me sugar para o seu mundo, e eu mergulhava nele sem me segurar em nada. Voava pra dentro dele, e em cada queda, deixava que parte de mim fosse para não mais voltar. Talvez por isso, além da dor inevitável que sinto hoje, me sinta tão desprendida de mim mesma. Foram partes minhas que jamais voltarei a ver. Ficaram com ele, naquele abismo que criou.
A diferença entre a queda nos olhos de Bê e meus sentimentos ao ler sua carta, era que as palavras tinham um caráter duro, palpável e com aparência muito mais real do que minha simples sensação de ter me perdido naqueles olhos negros. Naquele momento eu "o amava e não conseguia suportá-lo, em igual medida". Era cortante. Profundamente cortante.

*Crônica baseada na exposição de Sophie Calle "Cuide de você", no MAM. Imperdível!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Up in the air

Filmes têm um poder incrível de me desprender dos meus próprios pensamentos. Fico ali, embasbacada, perdida num universo que (aparentemente) não me pertence. Quem me conhece sabe, que fora as ficções científicas, me concentro e vivo aquelas cenas de uma forma emprestada, sentindo cada segundo delas pulsar dentro do meu peito. Hoje tive um dia cercado de cenas (que não minhas). E logicamente, muitas delas me remeteram a coisas tão minhas, tão guardadas, que mal sabia eu que as tinha aqui... (Fenômeno também conhecido como cartarse, rs). Se eu não fosse uma psicoterapeuta-quase-formada, diria que assistir a filmes (bons, diga-se de passagem), daria conta de uma bela gama de questões mal resolvidas. É claro que pra isso, indicaria uma boa dose de reflexão e humildade - sim, para assumir suas angústias, falhas e faltas, elas são necessárias.
As cenas de hoje me fizeram pensar. Em solidão, em companhia, em relacionamento. Em como é bom estar acompanhado e em como é ruim sentir-se só mesmo com alguém por perto. Me fez pensar em coisas "banais", como  a importância de regar minhas relações preciosas e não pensar no tempo como algo só meu, onde faço divisões mecânicas procurando organizar meus dias. O tempo não é nada além de uma invenção nossa, uma tentativa desesperada de colocar ordem em tudo. Vida é desordem. E o tempo, ganha muito mais valor se for compartilhado.
Sei que o mundo nos grita: PLANEJE! Mas sabe, só hoje, só por alguns minutos, quebre seus planos... deixe a surpresa te apanhar, como num filme repleto de cenas (aparentemente) alheias.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

FlorEline

Conhecê-la sempre significou algo profundo, marcante. Em uma geração de iguais, onde todas pareciam ter os mesmos gostos, mesma aparência, mesmas conversas superficiais, ela se destacava. Mesmo ao olhá-la de longe, já era possível sentir que se tratava de alguém diferente, desconcertante até.  Era nova, e ainda assim, tinha muito a ensinar. Dona de um coração gigante, daqueles que se podia ver através de um sorriso frouxo, ou de um olhar que denunciava a alma leve que guardava dentro de si. E o riso da moça era mesmo contagiante! Nos embriagava, e fazia-nos esquecer nossas lamúrias por completo. Era raro sentir-se daquela forma! Era raro saber que havia alguém em que tudo era verdade, pureza e encanto. E como tudo que é raro é precioso, sabíamos que não valorizá-la era sinônimo de impossibilidade. Sua presença era canto, riso e olhar sincero, cada detalhe regado de amor. Ela enfeitava o ambiente e era portanto, um presente.
E não precisávamos de palavra. No silêncio de nossos corações, via-se a beleza do laço, do abraço.
Ela cantava amizade, encontro e beleza.
Nos restava então, agradecê-la: pela diferença que tanto fazia, pela profundidade que alcançava e ensinava, e mais ainda por aquele olhar tão bonito, que seguia por iluminar as esquinas dos nossos corações, por vezes apagados.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Um par de olhos


- Que não faça sentido, então. - Disse a ele numa tarde de sol, dentro de um ônibus lotado. A vontade não era concluir assim, queria colocar "pingos nos is", vírgulas entre frases confusas e sem respirações, e pontos finais onde haviam de estar. Mas pra ele um simples "não tem como explicar" era suficiente. Ele sabia que a vida era mesmo uma bagunça, e os sentimentos mais ainda. E não se cansava de esbarrar com eles, de fazer mistura, de se confundir. Achava que a idéia era mesmo essa, e colhia o que de melhor podia encontrar nas histórias sem razão. Sorria para ela, com um olhar quase de deboche, como quem entende muito mais sobre perder-se dos sentidos - e por eles. Não é que ela não quisesse entender, ela queria aprender daquela arte do não-saber. Mas sabia lá como... O que não entendia era como um par de olhos eram capazes de levá-la para tão longe, como os dele costumavam fazer. Seus devaneios foram interrompidos por uma freiada brusca de um motorista mal-intencionado e mais uma frase dele, ao descerem no ponto final:
- Gosto dos seus olhos, eles dizem a verdade. - Sorriu. Era como se frases como aquelas brotassem dele a todo vapor, com naturalidade. Não parecia doer pra dizer. Não hesitava. Só falava, expunha e continuava, como se aquelas palavras não a alcançassem, como se não a modificassem em algum sentido. Ela parou. Olhava pra ele e torcia para que entendesse mesmo seus olhos. Sorriram. O abraço teve um encaixe oportuno, seguro, comovente. Só mais um abraço. Mas eram poucos como aquele, onde a hora do rush perdia o movimento, os passos apressados ao redor, a fumaça, o barulho... Mais nada. Nada além da respiração que ganhava mais som, o batimento do coração que acelerava, do cheiro que embriagava ambos em uma valsa imaginária, dividida num encontro como poucos. O abraço tinha cor, sentimento e vida. Nele, ela conseguia esquecer o resto, todo o resto. Sentia que deixava um pouco de si mesma no abraço. Mas estava disposta a fazê-lo. A escolha era constante, a cada toque, palavra ou silêncio. O silêncio entre os olhares dizia mais que mil palavras ali, por mais clichê que aquilo lhe soasse. Mas o tempo podia levar quase tudo... Isa afastou-se dele, com o coração doído. Os olhos encheram-se d'água, pois no fundo sabia que aquele momento jamais voltaria.
- As coisas mudam. Mas saiba que... Bem, guarde meu olhar. Ele diz mais. - Sorriu, ainda emocionada, segurando as mãos dele. Tinha que ir embora. Precisava. Mas tudo que queria era ficar ali e segurar os ponteiros dos relógios. Sabia que o tempo deles era outro, singular, e este sim, havia congelado. Ele a puxou para mais perto e roubou o beijo sempre tão imaginado, fantasiado, o beijo que já havia ficado tão longe em seus pensamentos... Mas era um beijo de despedida. E pra lá ficou, onde pertencia. Na sobra do que passou. E do mesmo jeito que chegou, aquele amor partiu. Como devia ser, dentro de sua falta de sentido.  De longe, Isa o olhava. Mas olhar não lhe doía mais. Ele era seu. Só seu. E dentro daquela lógica, quem precisava de sentido?

Voltou ao mesmo lugar um ano depois. Olhando de fora, era apenas mais uma grande avenida movimentada e barulhenta, onde as pessoas passavam sem focar sua atenção. Mas ela era diferente. Tinha aprendido a andar devagar, no contra-fluxo e a observar em volta. E então o fez. Isa logo percebeu que jamais olharia para aquela rua da mesma forma. E aquilo sim, fazia sentido.