segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A própria história

Por vezes heroína
por outras até mesmo vilã
Porém creio que o pior dos momentos seja quando me reconheço como apenas figurante da minha própria história: observando passivamente os dias passarem.
Não! Isso eu não aceito. Abaixo à passividade!
Ouça mundo, estou passando, estou mexendo e empurrando.
Eu sei, estou embaralhando, mas eu posso, o mundo é meu.
E quando tudo acabar, penso eu, terei gritado
terei falado, despido e despedaçado.
O sentido não é calado
É calar a dor.
E se precisar gritar, que seja grito então...
Já há mudos sobrando nesse mundo sem mudanças.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cuide de você

 

"Cuide de você", era o que dizia no final de sua carta. Aquelas palavras me foram tão cortantes quanto... Bem, chega a ser difícil encontrar uma comparação para o que eu senti. Era como se, aos 10 anos de idade, me tivessem tirado a bicicleta nova e dito simplesmente: "vá a pé". Não fazia sentido, me parecia simplesmente frio que me falasse para cuidar de mim mesma. Para mim, não demonstrava carinho ou preocupação, soava, pelo contrário,  um "dane-se" camuflado, palavras duras maquiadas de conselhos na realidade totalmente superficiais. Durante toda sua narração, ele havia me responsabilizado pelo término, ao mesmo tempo em que se colocava no lugar de vítima, como sempre o fizera. No iníco (não consigo mais imaginar como), eu achava aquilo charmoso. Hoje podia entender como seu charme era vazio, baseado em uma filosofia barata. Nunca me sentira tão exposta, tão desrespeitada. Mais que isso, tratava-se de uma violência literária, de um mau uso de palavras, de um atropelamento escrito do meu coração, da minha pele. Sentia que aquelas letras haviam se juntado para atormantar-me sem prazo final, e que eu de alguma forma não era mais Sophie, não era mais mulher, era sim um conjunto de frases jogadas fora e amontoadas pelo meu corpo de forma feminina. Mas era o Bê, ainda assim. Foi com ele que aprendi a ser mulher, a calar e gritar, na mesma proporção. Juntos fomos ao Japão, à Grécia, à Praga, ao Chile, à Marte. Ele me levava para lugares que eu nunca sonhara conhecer. E hoje ele havia me levado ao inferno, com suas palavras rasas. Incrível como algo tão monótono pudera me alcançar numa profunda dor, a qual era impossível encontrar o fim - ao menos até então. Foi quando pensei que não havia de ter sido o mesmo Bê. Talvez fosse outro hoje, não se tratava do homem das fotos reveladas e expalhadas pelo meu quarto, ou daquele que cozinhava comida árabe no nosso apartamento enquanto eu ria de suas histórias. Sempre soube que ele não era o mesmo quando estávamos com outras pessoas, sempre soube que durante o nosso relacionamento, ele nunca havia sido fiel. Mas eu escolhia me enganar e acreditar que ele não encontrava mais as outras três. Não queria ser a quarta, e ele sabia disso. Me prometeu lealdade e eu escolhi crêr que seríamos felizes enquanto durasse. Escolhi confiar no homem que projetei nele, homem que na realidade, ele nunca foi. Ele havia crescido numa família aparentemente estruturada, quase banal, mas aprendeu sobre a vida completamente sozinho. Nunca aprenderia a dividir, ao menos não até que decidisse fazê-lo. Eu não poderia decidir por ele. Mas por três anos, achei que seria capaz. Quando estávamos juntos, eu me sentia inteira, amada, cuidada e única. Sentia no seu olhar uma capacidade de me sugar para o seu mundo, e eu mergulhava nele sem me segurar em nada. Voava pra dentro dele, e em cada queda, deixava que parte de mim fosse para não mais voltar. Talvez por isso, além da dor inevitável que sinto hoje, me sinta tão desprendida de mim mesma. Foram partes minhas que jamais voltarei a ver. Ficaram com ele, naquele abismo que criou.
A diferença entre a queda nos olhos de Bê e meus sentimentos ao ler sua carta, era que as palavras tinham um caráter duro, palpável e com aparência muito mais real do que minha simples sensação de ter me perdido naqueles olhos negros. Naquele momento eu "o amava e não conseguia suportá-lo, em igual medida". Era cortante. Profundamente cortante.

*Crônica baseada na exposição de Sophie Calle "Cuide de você", no MAM. Imperdível!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Up in the air

Filmes têm um poder incrível de me desprender dos meus próprios pensamentos. Fico ali, embasbacada, perdida num universo que (aparentemente) não me pertence. Quem me conhece sabe, que fora as ficções científicas, me concentro e vivo aquelas cenas de uma forma emprestada, sentindo cada segundo delas pulsar dentro do meu peito. Hoje tive um dia cercado de cenas (que não minhas). E logicamente, muitas delas me remeteram a coisas tão minhas, tão guardadas, que mal sabia eu que as tinha aqui... (Fenômeno também conhecido como cartarse, rs). Se eu não fosse uma psicoterapeuta-quase-formada, diria que assistir a filmes (bons, diga-se de passagem), daria conta de uma bela gama de questões mal resolvidas. É claro que pra isso, indicaria uma boa dose de reflexão e humildade - sim, para assumir suas angústias, falhas e faltas, elas são necessárias.
As cenas de hoje me fizeram pensar. Em solidão, em companhia, em relacionamento. Em como é bom estar acompanhado e em como é ruim sentir-se só mesmo com alguém por perto. Me fez pensar em coisas "banais", como  a importância de regar minhas relações preciosas e não pensar no tempo como algo só meu, onde faço divisões mecânicas procurando organizar meus dias. O tempo não é nada além de uma invenção nossa, uma tentativa desesperada de colocar ordem em tudo. Vida é desordem. E o tempo, ganha muito mais valor se for compartilhado.
Sei que o mundo nos grita: PLANEJE! Mas sabe, só hoje, só por alguns minutos, quebre seus planos... deixe a surpresa te apanhar, como num filme repleto de cenas (aparentemente) alheias.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

FlorEline

Conhecê-la sempre significou algo profundo, marcante. Em uma geração de iguais, onde todas pareciam ter os mesmos gostos, mesma aparência, mesmas conversas superficiais, ela se destacava. Mesmo ao olhá-la de longe, já era possível sentir que se tratava de alguém diferente, desconcertante até.  Era nova, e ainda assim, tinha muito a ensinar. Dona de um coração gigante, daqueles que se podia ver através de um sorriso frouxo, ou de um olhar que denunciava a alma leve que guardava dentro de si. E o riso da moça era mesmo contagiante! Nos embriagava, e fazia-nos esquecer nossas lamúrias por completo. Era raro sentir-se daquela forma! Era raro saber que havia alguém em que tudo era verdade, pureza e encanto. E como tudo que é raro é precioso, sabíamos que não valorizá-la era sinônimo de impossibilidade. Sua presença era canto, riso e olhar sincero, cada detalhe regado de amor. Ela enfeitava o ambiente e era portanto, um presente.
E não precisávamos de palavra. No silêncio de nossos corações, via-se a beleza do laço, do abraço.
Ela cantava amizade, encontro e beleza.
Nos restava então, agradecê-la: pela diferença que tanto fazia, pela profundidade que alcançava e ensinava, e mais ainda por aquele olhar tão bonito, que seguia por iluminar as esquinas dos nossos corações, por vezes apagados.