quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Um brinde!



Nem tudo na vida tem começo, meio e fim. Algumas acontecem já com gosto de partida, ou surgem "do nada", como o cheiro de pipoca que invade o alfato: assim, de repente. É dessa forma que parece acontecer tudo o que mais nos toca, seja positiva ou negativamente. Um amor surge assim: quando não se está prestando atenção, ou uma amizade eterna, ou até mesmo uma perda, um ponto final em uma história doída (ou mesmo doida)... Falar da vida como algo ordenado é uma loucura, já que o que parece contruí-la é mesmo um conjunto de desordens que de alguma forma se encontram e colorem o viver. Clarice mesma disse, "não precisa fazer sentido".
E é cheia de paradoxos, receios, dúvidas, sonhos, músicas e poemas no coração que espero de 2010 desordens. Daquelas que me peguem de surpresa, me ensinem a querer mais, a sonhar mais, a duvidar mais e a criar muito, muito mais.

Nesse post diferente, desejo a você que me lê o mesmo que espero pra mim. Que no ano novo, que é claro, carrega com ele tudo que de mal resolvido ficou, seja colorido e cheio dessas pedras preciosas no caminho, que de uma forma ou de outra, muitas vezes nos obrigam a parar, olhar e mudar a direção.

Um brinde à caminhos e cores novas, e às surpresas de 2010.
E um (des)brinde à pressa, que o tempo por si só, já passa rápido de mais...

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Fora da ordem




A menina era pequena, mas sentia-se grande. Sabia, tinha certeza que havia nascido já crescida,
e dessa idéia não largava e nem conseguia, já que em volta todos pensavam: "que incrivel! Uma menina tão pequena já crescida!"
A menina então passou pelos anos da infância como se fosse adulta e na mais dura realidade, brincava de faz-de-conta. Mas dessa brincadeira, ninguém participava: à sua volta, só seriedade. A menina percebeu cedo que a vida adulta na hora errada era antônimo de felicidade. E quis brincar de ser criança, mas não podia desapontá-los, eles gostavam tanto de vê-la crescida!!
A menina do grande coração, cedeu então, e viveu uma mulher quase adulta, no corpo de menininha. Até crescer de verdade, e então, assumir-se menina. Precisava da mininice, e fez do primeiro parágrafo um rascunho. Depois das ultimas linhas da "infância-de-gente-grande", deu um ponto final.
E chegando à idade adulta resolveu abrir um parênteses e correr atrás de borboletas.

A menina, mocinha, mulher não tinha mais pressa, encheu seu viver de divertidas reticências...

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Amor maior do mundo



Dia de esperança
do nascer do menino
do Deus
do homem
do amigo

Ele tudo sentiu
como você e eu
dor, medo, frio, calor
Sentiu fome, sede,
desejou não sofrer

Mas Ele era plano de Deus
era amor, era ligação, era perdão
e ainda é
Por que seu amor não está preso nos ponteiros
de um relógio qualquer
nem muito menos é obrigação
o amor Dele é liberdade
é união

Amor de perto, íntimo e pessoal
de um Deus que me entende, me conhece
E com esse amor, me relaciono
amadureço, choro, entrego e vivo
E foi nesse dia simbólico
que tudo começou
que esse amor nasceu, se fez presente
se fez eterno

Pra sempre o mesmo
sem tempo
sem regra
sem nó.

O amor Dele é sem fim e é um só.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Amores e dores



Amores e dores
Fica aqui, perto em mim
Juntam-se numa valsa
bailam no mesmo ritmo

Sem um, o outro não é
imagina querer o perfeito
não é óbvio, não
Amar é viver na loucura do outro
é enlouquecer na sobriedade do ser
sozinho, juntos
apenas perto

Solidão não nasce só de dor
por vezes solidão nasce de amor
ou faz o amor morrer, desvanecer
que seja

Sempre vale a pena
o amor doido
amor doído
amor indevido
amor que queima
e acalma
amor que entrelaça a alma

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Matemática do afeto



O quarto em que dormia era pequeno, apertando de forma quase que concreta todos os seus desejos pela vida. Numa das paredes, num quadro de cortiça pendurava lembranças já perdidas, tão distantes que pareciam nunca terem de fato se vestido de realidade. Uma única foto da infância, onde se sentia um menino abandonado, uma história que ainda doía. Quase não teve referências, pouca base, tantas carências que ainda o acompanhavam. Do cantinho podia-se ver também uma foto bem pequena, de alguém que por alguns anos o influenciou, mas que pelo balanço da vida, havia partido mais cedo. Ele sentia que havia sido cedo de mais. A terceira foto, guardava momentos de uma viagem de encontro à América do sul, onde (re)conhecia partes de si mesmo. Na parede do lado oposto, a cama ficava encostada, e era onde ele costumava se contorcer durante pesadelos muito longos, ou se encolher diante de um sonho gigante de mais para si. Na parede da frente, estava a porta do quarto e sobrava pouco espaço, onde havia há muitos anos ocupado com um pôster dos Stones. Por vezes pensava em trocar o pôster, quem sabe por outros tantos que o enfeitiçavam, mas ele não conseguia, era como se o pôster contasse sua própria história, e dentro do quarto somavam um universo só seu. Por fim, a parede da janelinha, de onde mal se via o céu, segurava um ar-condicionado do-tempo-da-vovó, que mais parecia um motor de fusca. Eram quatro paredes que o acolhiam, onde podia ser ele mesmo, meditar, gritar, pensar de mais e dormir com as mãos entrelaçadas.

Mas fora do quarto, era apenas um menino. O mesmo da foto, assustado, brincando de ser. Para ele, o mundo parecia grande de mais. Talvez tudo o que mais desejasse era dividir com alguém as três fotos, o pôster, o barulho do seu ar-condicionado e o tanto que aquelas quatro paredes tinham pra contar... Mas era dificil de mais, era arriscado de mais, medonho até. Como falar em dividir com quem nunca pôde ao menos receber?

O menino não tinha aprendido a compartilhar, não sabia que na matemática do afeto, era preciso dividir para somar.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Sentindo




Sinto tanto
que sentindo
sei que falta
sentido

Sentido santo
insano
insensato

Tanto falta
sentido
que sinto
que sei

Não sei nada
sucinto
só sinto.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Primeira pessoa



Esse post será na primeira pessoa, um post meu mesmo, do inicio ao fim. Pensei em escrever um pouco como fazia na adolescência, sem preocupar-me com censuras, com besteiras ou arrependimentos. Houve uma época em que pensei que escrever sobre coisas boas, felizes, perfeitas era quase que impossível. Achava que só no meio da dor, do nó, da saudade e do desamor o texto era bom, pois as palavras jorravam como numa queda d'agua. Continuo acreditando que na "fossa" tudo parece mais poético, que da melancolia se faz arte: música, poesia, cartas jamais enviadas, rabiscos que viram desenhos, o caos que de alguma forma encontra criatividade. Encontro beleza na dor, e acredito ser essa também uma arte na vida. Mas hoje estou alegre, muito alegre! Nos ultimos dias, meus olhos puderam apreciar belezas indescritíveis, incomparáveis. Pude não só ver, mas sentir a areia fofa, o sol na pele, a temperatura fresca do mar, o abraço do vento, a simplicidade que a vida pode ter. Viajar é tão natural para mim, tão vital. Meu coração sentiu o renôvo das marés, o pôr do sol,  os abraços diários de quem me parece completar. Senti também a humildade do menino guia, que deixou meu coração cheio. Encontros, que são raros, mas tão marcantes. Sinto que jamais esquecerei daquele olhar de criança, misturada com uma vida adulta. Os olhos verdes marcantes da menina, a risada do nordeste, risada mole, que continua, que leva com ela as preocupações, as inúteis preocupações com o amanhã... Vida mansa? Não se trata disso. Mas certamente, um sorriso leve, uma força extrema e uma certeza de que a terra que têm é rica e bela, muito bela.

Sempre que volto de um lugar diferente, de um momento único, sei que parte de mim ficou ali. Com a fotografia, tento capturá-las, segurá-las num breve instante, até a eternidade. Tento transformar o que vejo em sentimento, e me contento, pois sei que de alguma forma, nas cores, no olhar, guardei um pouco de mim, um pouco do meu encontro com todo aquele universo. Universo este, que se torna um tanto particular agora.

Obrigada, obrigada, obrigada!

"Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação
para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as
praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como,
afinal, as paisagens são."
Fernando Pessoa


"Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração" Henri Cartier-Bresson



terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Despedidas


A novidade caiu como uma bomba, e assim, não mais que de repente, o fluxo de sua vida mudou. Sentiu o estômago revirar, tinha certeza que estava pálida e que sua boca havia ficado seca, as palavras lhe faltavam. Mas era mesmo aquilo, ele estava partindo, pra bem longe, num caminho que poderia se tornar sem volta pro coração de Bia. Ela sabia disso. Pela primeira vez, deu-se conta do quanto ele havia se tornado importante pra ela. Seria apenas carência, necessidade de alguém ou teria encontrado amor, aquele que gostava tanto de filosofar sobre, guardando no fundo um imenso medo da descoberta? Estavam juntos há praticamente dois anos, mas Bia nunca havia se entregado verdadeiramente àquela relação. Buscava o que pra ela era como o equilíbrio, dava-se pela metade, a outra metade incobria, permitia que realizasse outros desejos, com aquela alimentava fantasias à parte. Dessa maneira, não precisaria descobrir todos os riscos e aventuras daquele amor. Ela, que se dizia tão desapegada, tão livre, havia percebido finalmente o quanto devia ter valorizado aquele que estava sempre ali ao lado, doando-se dia após dia. Mas foi quando ele disse:
- Vou pra não voltar.
- Nem para um filme com pipoca? - Ele sorriu. Ela sabia mesmo num momento como aquele, usar seu charme e tirar o foco da questão principal. Ou melhor, não sabia, não tinha idéia de como lidar com mais uma ferida.
- Você não quer me dizer nada? - Como ele a amava, ansiava por alguma troca.
- Eu te amo, vou sentir a sua falta como um buraco negro dentro da alma, não sei como irei conseguir... - Os olhos enchiam-se de lágrimas puras, todas as sensações dela eram verdadeiras, pena serem tão efêmeras. Ele a abraçou forte, deixou que algumas lágrimas também rolassem, sem que ela notasse.
- Meu amor, você nunca soube... você não soube. - Suspirou.
- O que? Te olhar com ternura? Dividir com você minhas dores?
- Não... o que você não soube foi ser inteira. E eu preciso ser inteiro, não quero mais só uma parte de ti. - Ela entendia os motivos dele, entendia aquele momento, entendia sua incapacidade. Ela só não conseguia entender o sofrimento, aquele buraco, já sendo cavado ali mesmo. Não entendia como, se havia se guardado tanto, se havia sentindo interesse por outros e até sentido que poderia amar outra pessoa, se havia buscado sempre refúgio em si mesma, desapego, sem cobrança, sem amarras. Ela não entendia. Mas sua falta de entendimento não lhe levaria mais a lugar algum. Agora, só os sapatos largados na sala, o CD do pearl Jam, os livros que dividiram, a taça de vinho da noite anterior, as lembranças cravadas, o cachorro dele, a parte dela mesma que havia indo embora junto com ele. Jamais reencontraria aquela parte.
Ela não entendia. Não vivia. Não queria.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Lia e a lua


Era quase meio dia. Mas ela não viu a manhã passar, muito fez e pouco apreendeu, como se de algum modo, tivesse entrado no automático novamente. Dando-se conta daquele sentimento, parou e tentou olhar para a sua vida, mas já era hora de voltar ao trabalho. Não gostava do que fazia não se sentia feliz ali entre as baias de uma empresa esquisita, mas de alguma maneira lhe parecia viável, "correto". Quando jovem, Lia detestava o termo, mas atualmente havia-se reconhecido como alguém que não buscava outra coisa. Ela não saia do óbvio, do esperado, do "certinho". Nem um chopp a mais, nem um minuto além do previsto, nem um segundo de atraso, nada de mais cinco minutinhos na cama, uma viagem inesperada então nem pensar! Vivia de forma medíocre, mas não sabia. Ela havia alcançado um estado de cegueira que a cercava por todos os lados. Não era apenas uma cegueira visual, mas emocional, espiritual e sensitiva. Porém, ainda que anos tivessem se passado daquela maneira, por algum motivo, hoje ela havia notado. Naquela fração de segundos entre o digitar de um email "urgente" e dois dedinhos de café, Lia havia se lembrado de si mesma. Logo, tudo o que ainda guardava de sonhos, dons, talentos e vida dentro dela começou a borbulhar no estômago, como se quisessem sair, sentir a liberdade, o vento no rosto mais uma vez. Como se gritassem: "Lia, nos solte, assim libertaremos você!", mas um novo email entrou na sua caixa, e todos os sentimentos vibrantes voltaram a se esconder. Ela tinha uma caixinha especial pra eles, bem no fundo da alma, entre o desejo e o arrependimento. O dia foi passando, rapidamente, como outro qualquer. Lia voltou pra casa, levando o trabalho extra. Depois de um banho quente para relaxar, sentou-se no seu escritório em frente ao laptop, e enquanto ele abria algo lhe chamou à atenção: uma lua redonda, viva, brilhante a observava do alto e para Lia, foi como um renascer de esperança.
Sorriu, desligou seu computador e dormiu leve, como aquela jovem questionadora, que depois de um dia cheio de devaneios, repousava serena. Lia despediu-se ali de suas escolhas exatas que nada tinham de certeiras e quem sabe, talvez acorde mais menina... Era quase meia noite.