sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Tão perto e tão longe...


Você cruza uma esquina, passa por uma rua movimentada e esbarra num deles. Engraçado como os olhares nunca se encontram, e se isso acontece, logo viram-se os rostos como se se tratasse de algo proibido ou desagradável. Já experimentou entrar num metrô e olhar nos olhos de alguém? No mínimo te acham louca, o que está interessada em sexo, algo do tipo. Diria que na nossa sociedade então, os olhos são um ponto dificil de ser alcançado. Talvez o último, o mais íntimo, o que mais fala sobre o que vem pulsando dentro do peito. Muitas vezes andando pelas ruas, ou no ônibus, enxergo ao longe alguém sentado, olhando o horizonte, ou duas pessoas discutindo, e me pego pensando: "o que será que se passa dentro do coração dela agora? Quais serão suas dores gritantes, suas faltas, seu momento de vida..." Fico imaginando se aquela pessoa desconhecida seria alguém que me acrescentaria de alguma forma e se eu poderia acrescentá-la e tirá-la talvez daquele estado de espírito. Fico pensando, "por que choras?" e sinto vontade de perguntar, dar um abraço, dizer que tudo passa... Porém, mais uma vez, seria essa uma loucura, uma estranheza, talvez aos olhos do próprio desconhecido?
"Quem é essa louca do nada querendo me consolar?" Só sei que em mim pulsa essa curiosidade, esse olhar para um outro de que de nada sei, essa sede de acalmar o mundo, a alma.
Faz tão bem sentir-se um com o crowd num show, onde todos gritam numa só voz aquela musica que mudou sua vida, ou numa passeata, buscando um mesmo objetivo, ou numa oração, com os corações unidos e voltados para um único. Mas ainda que juntos, somos singulares, únicos, complementares nas nossas diferenças.
Não sei, acho que as vezes, minha sensibilidade transborda e chego a me "assustar". Tenho um coração que sente de mais, não fica na beira, vai profundo: sofrendo, doendo e sorrindo tudo sempre na mesma intensidade, tudo numa mistura de melancolia e felicidade. Não sou desse mundo...

"Metade inteira chora de felicidade"
Maria Gadú

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Menina



A notícia chegou pra mim como uma pétala de rosa alcança o chão, leve, suave, envolta em beleza. "Uma irmã mais nova!" Quantos anos havia esperado por um momento como aquele, por uma alegria tão grande que não me cabia dentro do peito.
Hoje, 12 anos depois, imagino que além da alegria, tenha sido tambem como um alívio, uma necessidade de dividir com alguém que realmente entendesse.
Depois de um mês de muito calor, ela chegou, como um presente meu. Cabelo ralinho, claro, 10 dedinhos do pé, 10 dedinhos da mão: perfeita. Lembro até hoje do temporal que caiu quando fui visitá-la, o que me "obrigou" a passar a noite no hospital. Eu não me importava. Só queria estar perto dela, ver cada movimento, cada som, cada detalhe. Parecia tão frágil...Mal dormi, de tanta excitação. Quando minha mãe já estava bem pra ir pra casa e a enfermeira nos entregou aquele embrulhinho rosa, lembro ter pensando: " e agora?! é isso?! levamos pra casa, assim, sem nenhum ajuda?!" Hoje fico pensando como será quando meu filho vier... A vida com ela era outra. Alegria, brincadeira, choro, novidade. Minha irmã era linda, fofa, minha bonequinha. Lembro até hoje dos primeiros passos na sala, das gargalhadas que soltava quando eu conversava com ela, de como gostava que a carregasse como "banquinho" e de como ao começar a falar, me chamava "imã, imã!" Bastava um olhar dela, pra me arrancar um sorriso. O dia que a deixei cair, chorei tanto, mas tanto, certamente muito mais que ela. Ela sentia cosquinha no pulso, por causa das dobrinhas extras e me achava a pessoa mais interessante do mundo. Me lembro o quanto crescia rápido, pois marcávamos sempre sua altura atrás da porta do quarto. Um dia ela chegou e me disse: "Desculpa, vc disse que não queria que eu crescesse, né? mas eu não consigo parar!" Eu ri, tantando concertar aquilo e mostrá-la como era lindo que a cada dia ela estivesse maior, não só em centímetros, mas em coração.
Queria ensiná-la sobre a vida, sobre o mundo lá fora, e o de dentro, sobre como é importante amar sua familia e ao mesmo tempo tornar-se independente dela em algum momento, sobre como os amigos são nossos aliados, nossa força e maior fonte de risadas, sobre como Deus precisa estar no centro do seu coração, para que todo o resto simplesmente flua... Sobre como ela deve sonhar sempre, sem deixar que lhe digam que seu sonho não tem sentido, sobre como meninos vão se aproximar e que alguns deles simplesmente não vão valer a pena e a farão sofrer... Sobre como esses que não valem a pena são os que um dia nos ensinam a valorizar o que vale todo sacrificio. Ou nem todo, pois é preciso se respeitar antes de se doar completamente a ele. Queria ensiná-la sobre as coisas simples, sobre olhar o céu, as flores, as borboletas... Sobre como algumas pessoas passam pela nossa vida e deixam muitas saudades, mas deixam um pouco delas em nós e nós, também a modificamos. Queria mostrá-la que se quiser pode andar de skate, dançar forró, balé, ser atleta, médica ou costureira, desde que coloque todo o seu coração no que for. Queria mostrar pra ela como ler é enriquecedor, e como os livros e os filmes que assistir vão pouco a pouco, moldando seu ser e fazendo parte de quem é. Queria ensiná-la sobre o mistério da música, o valor de um abraço, a intensidade do tempo. Queria que entendesse que as pessoas são diferentes, e que isso não é necessáriamente, um problema - muitas vezes, é a solução. Queria que soubesse que há tempo pra tudo, e que não precisa ter pressa em virar "gente grande", pois do seu tamanho, há toda ternura, inocência e beleza que um ser humano possa alcançar em toda uma vida. Queria que pudesse sempre se sentir feliz, amada, linda, sem tornar-se metida e sem achar-se melhor que ninguém. Queria alertá-la sobre as amizades falsas, os momentos de solidão e o risco da rejeição... E dizê-la que para os meus braços, sempre poderá correr.

Mas hoje, 12 anos depois, ouvindo-a contar sua vida de menina vejo quem precisa mesmo aprender o quê.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Além de um clichê



Basta ela rir
e logo um universo inteiro se abre.
Se o abraço se demora, as paredes se tornam opacas, sem brilho nem cor.
Mas quando ela chega,
e inclinando a cabeça pro lado sorri com ternura,
as cores brotam dos poros invisíveis das paredes, antes mortas, sem vida,
e tudo se faz novo.

Seu sorriso é inteiro
os olhos ficam apertados, transbordando alegria
a face se faz rubra, e o nariz um pouco empinado
Instantaneamente os braços se abrem, e nos convidam para um abraço
envolto de verdade
Foi assim que o Pai a fez: como uma pintura perfeita
na sua forma singular.

Ela é dona da beleza mais pura, que só cresce com o tempo
e o tempo com ela.
Suas palavras são música, mistério e luar
seus elogios, são como a rocha, fortalecendo o que estava fraco
Se olhar de pertinho,
é possivel encontrar aquela menina
que corria atrás do irmão
aquela, que gostava de pular e andar descalça pelo chão

Filha, mãe, irmã, AMIGA.
Julia é pura poesia
é magia, é segredo guardado
é um afago colhido, um carinho que aprendi
Viver junto significa amar sempre mais
Dividir e sentir forte em mim o que lhe dói, se o sorriso por acaso lhe abandona...

Mas ele sempre volta,
pois o amor, o mesmo que o colocou ali
o manterá, o trará ainda mais frouxo
Pra minha alegria, pelo brilho do sol, pela força da lua.
O riso sempre volta,
suave e rico
Como as gotas geladas no verão
Ou um pão fresco de padaria.

O sorriso puro
O seu sorriso
Só-o-riso.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Bolhas de sabão



Era mesmo assim, calado. De inicio, com palavras e certezas, dizia pouco. Sua linguagem não-verbal era, do contrário, muito intensa. Ao menos a ela. Um dia desandou a falar, contava, se abria, desabava sobre uma mulher que era mesmo uma mistura de doce com força, ternura, medo e franqueza. Mas o não-verbal permanecia, e juntas as duas formas de se comunicar a encantavam e ao mesmo tempo a invadiam com violência. Uma constante dualidade. Ele sabia. Falar-se no olhar lhes fazia muito bem. Ela pensava, pensava muito, sonhava, dividia, sentia. Ambos pareciam sensíveis a tudo, por vezes até de mais. À vida, ao que doía, ao que gritava por dentro, ao que lhes faltava. Tornaram-se, de uma forma muito excêntrica, complementares. No abraço, sentiam a verdade, mas na palavra, na procura, na realidade, tudo era sonho, fantasia. Ou seria a fantasia, uma realidade? Algumas coisas ficaram no caminho, juntaram-se com muitos nós e interrogações e perderam-se. Outras, por certo entraram, marcaram até sabe-se lá quando, ou com que profundidade... Era mesmo assim, indefinido. E não deveria ou poderia ter sido de qualquer outra forma. Calados, permaneceram. E então, aquele mundinho tão intimo, pessoal e fantasioso foi se afastando, indo pra longe como bolhas de sabão, tornando-se então, apenas saudade.



"Creio que aqueles que mais entendem de felicidade são as borboletas e as bolhas de sabão...Ver girar essas pequenas almas leves, loucas, graciosas e que se movem é o que, de mim, arrancam lágrimas e canções." Friederich Nietzsche

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Renovo



De repente, você me acorda, com aquele vento suave que me lembra que é quarta-feira. Levanto de súbito, com uma mistura de moleza e pressa, mas contente sabendo que estás ali comigo. Escovo os dentes, tomo um banho rápido, coloco uma roupa. Dou bom dia para a gata, que cisma em me querer ao seu lado pra comer. Saio e me deparo com o sol brilhando lá fora, como na maioria dos dias. As flores estão mais bonitas, coloridas, mostram a riqueza que há num mundo que as vezes sinto que perdi o costume de admirar. Peço que me ensines a olhar cada esquina com olhos de turista. Ou de criança, onde além da curiosidade, há pureza. Pego meu carro até o ponto, como nos dias comuns. Espero o ônibus, que mesmo com meu atraso, ainda não passou e fico aliviada. Parto então para uma quarta-feira mais ou menos como as outras, mas com um sentimento diferente dentro do peito. Sei que ainda estás ali. No dia anterior, antes de dormir, lembrei de ti, mas tu não esqueces de mim um minuto sequer. E penso que esse relacionamento é o mais rico que tenho, pois quando meu peito dói e começamos a conversar, aos poucos me sinto mais leve, limpa. Quanto mais palavras sinceras te digo, quanto mais abro meu coração, menos peso permanece em mim. Obrigada. Os dias comuns, com disse o Josú outro dia, são maravilhosos. Claro que gosto de novidade, surpresas, mudanças. Mas nos dias comuns, não há grandes dores, nem pranto, ou doença, acidente, ou morte. A caminho do banco, me deparei com um fim de tarde de tirar o fôlego. Como é lindo esse cenário, que ainda que pareça o mesmo todo dia, se prestarmos bastante atenção, há sempre nuances no espetáculo diário. É preciso estar sensível a elas... Nos dias comuns,tenho as coisas simples, que me colorem o dia. Minhas cores são pessoas, abraços, elogios, sorrisos, o toque, o ônibus que chega, o filme que eu sempre quis ver, o meu livro preferido dentro da bolsa e algum tempo pra ler, esbarrar com alguem especial, conseguir terminar um projeto - ou andar um pouco com ele, matar alguma saudade, ter uma cama gostosa, um edredon fofo, e uma conversa contigo. Pra dizer, obrigada pelas coisas simples, pelos dias comuns, pelo vento com som de riso... E por fim, me deito de novo, normalmente com a cabeça cheia: problemas, afazeres, sonhos, planos, nostalgia. Então entrego, repouso, e quando falo um pouco mais, já nem sinto, já nem penso, já adormeço. De repente.

"Canto coisas simples
que alguem me contou
canto a beleza
que o olhar notou
canto o que eu não via
e o que pra mim se revelou
canto a alegria
sei pra onde vou"
CROMBIE

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Gosto



Gosto do gosto seu
do abraço que aperta e encaixa bem no meu
Gosto do certo, do carinho e do cantinho
que é só meu

Gosto desse cheiro seu
do modo que me olha, da janela da tua alma
me lembrando nossos parques
nosso tempo tão livre
nosso conhecer
das cidades novas, das ruas,
dos pubs e dos corações

O gosto mudou, ficou mais amigo
menos moleque, mais bandido
menos sem jeito e mais certeiro,
mais bonito

Mas quando olho nos olhos teus
vejo o mesmo menino
vejo aquela verdade que me comoveu
que me lembrou que a vida era muito mais
mais cor, mais sonho, mais amor.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Apagão - micro e macro


Inspirando-me numa velha amiga (não que seja a amiga uma velha, mas por nos conhecermos há anos e ao mesmo tempo não nos vermos há séculos), senti vontade de expor meus sentimentos quanto ao apagão de ontem.
Deixando de lado a revolta quanto a nossa vulnerabilidade diante de tal fato, e a dificuldade que muitos provavelmente passaram, sinto dizer que gostei.
Fora o calor que estava naquela noite, foi bom perceber que minha necessidade de uma cama e de um silêncio foram muito maiores do que o vicio de uma internet ou uma televisão ligadas o tempo todo. O barulho constante nos impede de ouvir o nosso próprio coração...E mais ainda o coração alheio. De qualquer forma, até meu celular (que virou Vivo) parou de funcionar - e isso eu com minha mente nada matemática ou científica não pude explicar - mas o fato é que fiquei incomunicável.
Meu pai acendeu as velas e desceu, achando mais fresco no sofá.
Eu deixei uma velinha simpática ao lado da cama, e fiquei ali parada, olhando-a. Como era simples sua forma de existir, de ser no mundo. (Pensamento um tanto idiota levando em conta as obrigações impostas pelo mundo moderno), mas me contentei com ele, de verdade e ali pensei, numa vida mais simples. Peguei a máquina e me diverti clicando nas luzes, penumbras e sombras, ao som da chuva caindo nos galhos das árvores, que me relaxavam. Não pensei mais na minha monografia, no dia seguinte, ou em tudo que eu ainda queria ler antes de dormir. Não pensei em ninguém, só no escuro, no dormir sem lençol e na janela aberta, com os pingos caindo, como numa dança sincronizada... Logo conclui: bem melhor que aquele outro barulhinho que dita nossas vidas: "tic-tac-tic-tac-tic-tac..."
Pensei que às vezes é bom simplesmente parar. Olhar em volta, sentir o ar entrando e saindo, sentir os afetos, as faltas, as angustias, as dores e perdas, sentir as saudades, os amores, as amizades, as vontades, os prazeres. Só olhar e sentir, sem cobrança, sem pressa, sem luz. Vá pelo tato, pelo cheiro, pelo que lhe parece melhor, mais seguro ou até mais arriscado, mas vá pelo que lhe chame. Se a luz estiver forte de mais, feche os olhos e ouça... afinal, já nos disseram tantas vezes: "O essencial é invisivel aos olhos". (Antoine de Saint-Exupéry)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Entre



Um e outro
O percurso entre inicio e fim
quantos meios até chegar?
No encontro verdadeiro
deixo um tanto
e outro tanto, guardo em mim
Onde a vida se acha?
No pouco que perdi
no tanto que ganhei
nas palavras que gastei
soltas no ar
até um outro encontrar
permanecer
Entre, e ao sair,
leve um pouco de mim
Partindo, você ficou aqui
sem nem saber
Faltou notar
que a vida
acontece no entre.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Tempo


Quanto tempo até o sol dar lugar a lua?
Pra lagarta virar borboleta, pra nuvem fazer chuva?
Quanto tempo até o livro acabar, a página virar, o novo aparecer?
Até a mudinha virar árvore, a banana amadurecer e a noiva dar seus passos no altar?
Quanto tempo?
E será mesmo que esse tal de tempo é o essencial?
Ou o jeito que o abraço se encaixa, por minutos sem fim?
A capacidade com que duas amigas sorriem com os olhos, e isso basta: se entendem.
Ou quem sabe o click no momento perfeito de um pôr do sol, receber um cartão singelo que não esperava, dividir um café, um sorvete, ou uma pizza com alguém que acrescenta simplesmente por estar ali.
Na vida, o tempo, o cronológico, tanto faz.
O que me importa é o peso, o instante, a magia, o que ganho e o que deixo nos encontros tão amplos e aparentemente banais.
O que fica no fundo, é isso.
O tempo que se dá, que se ganha ao se perder.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Caminhos


Saíram da estrada pensando: onde nos levará? Por quanto tempo ficaremos lá? Nada disso importava. O tempo, pela primeira vez na vida parecia estar ali, disponível para os dois. Andaram durante horas, sentindo o vento quente no rosto e escutando os Stones tocando no rádio. "It was just my imagination, once again
Running away with me" Eles gritavam e riam e voltavam a cantar, tudo na mais perfeita sintonia. A estrada reta, o sol brilhando e mais ninguem para dividir aquele momento. Pra ela, era o melhor dia do mundo. Sem planos, só a estrada e um grande amor. Para ele, um desafio, deixar para trás todas as preocupações, a familia, tudo mais que o prendia às horas de cada dia.
Mas estavam ali. Sem celulares e sem neuroses. Foi quando ele disse:
- Porque estamos fazendo isso?
- Por nada, pela diversão, pelo risco, pela vida! - Respondeu ela, sempre tão sensitiva, sem notar dessa vez que o tom da pergunta indicava um certo pavor. Ele então a fitou com um olhar gélido que tudo dizia, e que consequentemente a deixava sem a menor coragem de perguntar. Os silêncios entre eles sempre tinham sido tão profundos, cheios de paz e verdade.
- Rafa, pra onde você está nos levando? - Foi a única coisa que ela se sentira capaz de dizer, esperando que ele não respondesse no sentido literal, e daquela vez fosse além das palavras ditas e demonstrasse os sentimentos. O solo da guitarra os acompanhava e parecia esticar ainda mais aqueles segundos sem fim.
- Sempre achei que fosse pro resto de nossas vidas, mas hoje, acho que preciso te deixar do outro lado.
A música de repente parecia não estar mais tocando. Tudo que Nina ouvia era o bater acelerado do seu próprio coração. Nem mesmo a lágrima quente, que parecia presa aos seus olhos conseguia descer. Era como se o vento não soprasse mais, a estrada parecia ter encontrado uma barreira tão grande, que impedia o carro de andar um milímetro sequer.
- Quero descer. - Foi tudo o que conseguiu dizer, enquanto a música chegava ao fim, junto com sua própria sensação de ter um chão onde pisar. "But in reality, she doesn't even know... me"
Seu coração havia saido de um extremo a outro, em uma unica canção. Nina não entendia. Mas contentou-se no seu não entender e seguiu em frente, numa estrada diferente daquela. Até então, precisava seguir só.

Uma homenagem à Clarice


"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."

Clarice Lispector

domingo, 1 de novembro de 2009

Nada


Nada, fada, mala, vaca... O que mais rima com nada? E de onde ele vem?
Tem dias assim, que me dá uma vontade de nada, de estar, de não pensar, não trabalhar, não se engajar, não lutar, não correr. Parece que tudo é vaidade. Mas então paro e percebo, que a vontade de um "nada" já é alguma coisa. Que querer parar, desacelerar, se deixar descansar, também é vida, é fase. Talvez, seja mais uma casca que se vai, jogada fora. Há muito que me inspira, me alimenta, me nutre a alma. Mas tem muito também que me tira o desejo, a vontade, a sede do novo, ou da renovação do velho, que seja. Hoje é um dia meio assim, domingo chuvoso, por dentro e por fora.