sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Matemática do afeto



O quarto em que dormia era pequeno, apertando de forma quase que concreta todos os seus desejos pela vida. Numa das paredes, num quadro de cortiça pendurava lembranças já perdidas, tão distantes que pareciam nunca terem de fato se vestido de realidade. Uma única foto da infância, onde se sentia um menino abandonado, uma história que ainda doía. Quase não teve referências, pouca base, tantas carências que ainda o acompanhavam. Do cantinho podia-se ver também uma foto bem pequena, de alguém que por alguns anos o influenciou, mas que pelo balanço da vida, havia partido mais cedo. Ele sentia que havia sido cedo de mais. A terceira foto, guardava momentos de uma viagem de encontro à América do sul, onde (re)conhecia partes de si mesmo. Na parede do lado oposto, a cama ficava encostada, e era onde ele costumava se contorcer durante pesadelos muito longos, ou se encolher diante de um sonho gigante de mais para si. Na parede da frente, estava a porta do quarto e sobrava pouco espaço, onde havia há muitos anos ocupado com um pôster dos Stones. Por vezes pensava em trocar o pôster, quem sabe por outros tantos que o enfeitiçavam, mas ele não conseguia, era como se o pôster contasse sua própria história, e dentro do quarto somavam um universo só seu. Por fim, a parede da janelinha, de onde mal se via o céu, segurava um ar-condicionado do-tempo-da-vovó, que mais parecia um motor de fusca. Eram quatro paredes que o acolhiam, onde podia ser ele mesmo, meditar, gritar, pensar de mais e dormir com as mãos entrelaçadas.

Mas fora do quarto, era apenas um menino. O mesmo da foto, assustado, brincando de ser. Para ele, o mundo parecia grande de mais. Talvez tudo o que mais desejasse era dividir com alguém as três fotos, o pôster, o barulho do seu ar-condicionado e o tanto que aquelas quatro paredes tinham pra contar... Mas era dificil de mais, era arriscado de mais, medonho até. Como falar em dividir com quem nunca pôde ao menos receber?

O menino não tinha aprendido a compartilhar, não sabia que na matemática do afeto, era preciso dividir para somar.

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