quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Um par de olhos


- Que não faça sentido, então. - Disse a ele numa tarde de sol, dentro de um ônibus lotado. A vontade não era concluir assim, queria colocar "pingos nos is", vírgulas entre frases confusas e sem respirações, e pontos finais onde haviam de estar. Mas pra ele um simples "não tem como explicar" era suficiente. Ele sabia que a vida era mesmo uma bagunça, e os sentimentos mais ainda. E não se cansava de esbarrar com eles, de fazer mistura, de se confundir. Achava que a idéia era mesmo essa, e colhia o que de melhor podia encontrar nas histórias sem razão. Sorria para ela, com um olhar quase de deboche, como quem entende muito mais sobre perder-se dos sentidos - e por eles. Não é que ela não quisesse entender, ela queria aprender daquela arte do não-saber. Mas sabia lá como... O que não entendia era como um par de olhos eram capazes de levá-la para tão longe, como os dele costumavam fazer. Seus devaneios foram interrompidos por uma freiada brusca de um motorista mal-intencionado e mais uma frase dele, ao descerem no ponto final:
- Gosto dos seus olhos, eles dizem a verdade. - Sorriu. Era como se frases como aquelas brotassem dele a todo vapor, com naturalidade. Não parecia doer pra dizer. Não hesitava. Só falava, expunha e continuava, como se aquelas palavras não a alcançassem, como se não a modificassem em algum sentido. Ela parou. Olhava pra ele e torcia para que entendesse mesmo seus olhos. Sorriram. O abraço teve um encaixe oportuno, seguro, comovente. Só mais um abraço. Mas eram poucos como aquele, onde a hora do rush perdia o movimento, os passos apressados ao redor, a fumaça, o barulho... Mais nada. Nada além da respiração que ganhava mais som, o batimento do coração que acelerava, do cheiro que embriagava ambos em uma valsa imaginária, dividida num encontro como poucos. O abraço tinha cor, sentimento e vida. Nele, ela conseguia esquecer o resto, todo o resto. Sentia que deixava um pouco de si mesma no abraço. Mas estava disposta a fazê-lo. A escolha era constante, a cada toque, palavra ou silêncio. O silêncio entre os olhares dizia mais que mil palavras ali, por mais clichê que aquilo lhe soasse. Mas o tempo podia levar quase tudo... Isa afastou-se dele, com o coração doído. Os olhos encheram-se d'água, pois no fundo sabia que aquele momento jamais voltaria.
- As coisas mudam. Mas saiba que... Bem, guarde meu olhar. Ele diz mais. - Sorriu, ainda emocionada, segurando as mãos dele. Tinha que ir embora. Precisava. Mas tudo que queria era ficar ali e segurar os ponteiros dos relógios. Sabia que o tempo deles era outro, singular, e este sim, havia congelado. Ele a puxou para mais perto e roubou o beijo sempre tão imaginado, fantasiado, o beijo que já havia ficado tão longe em seus pensamentos... Mas era um beijo de despedida. E pra lá ficou, onde pertencia. Na sobra do que passou. E do mesmo jeito que chegou, aquele amor partiu. Como devia ser, dentro de sua falta de sentido.  De longe, Isa o olhava. Mas olhar não lhe doía mais. Ele era seu. Só seu. E dentro daquela lógica, quem precisava de sentido?

Voltou ao mesmo lugar um ano depois. Olhando de fora, era apenas mais uma grande avenida movimentada e barulhenta, onde as pessoas passavam sem focar sua atenção. Mas ela era diferente. Tinha aprendido a andar devagar, no contra-fluxo e a observar em volta. E então o fez. Isa logo percebeu que jamais olharia para aquela rua da mesma forma. E aquilo sim, fazia sentido.

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