terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Teia da vida



Depois de uma longa jornada num lugar aconchegante e pleno, foi retirado à força para o território desconhecido. Abriu o berreiro e foi quando perceberam que "seria de personalidade forte". A mãe deu um sorriso, e ele não entendia nada... Tinha perdido aquele lugar que conhecia, o quentinho, sereno, calmo. Agora tudo brilhava espantosamente, de forma que sentia-se tonto. Mas nem se quer sabia o que era a tontura, ou como se expressava desagrado. Ele nasceu, mas aquele mundinho havia morrido. Foi sua primeira perda. Aos poucos, percebeu que aquela mãe era maravilhosa. Estar com ela era perfeito, seguro, quentinho, lembrava um pouco seu ex-mundinho. Mas sempre que ela sumia de sua vista, era o caos.
 
Os anos passavam corridos, e aquela relação foi perdendo um pouco o brilho. Outras passavam a interessar-lhe também. Perdeu o desejo apenas da companhia da mãe, mas ganhou novos amigos e novos olhares. Com os anos escolares, ganhou lembranças, amizades fortes, notas boas, arranhões no joelho. Mas ao fim do terceiro ano, perdeu as tardes no pátio, o futebol todas as manhãs, as partidas de bafo e as músicas inventadas. Perdeu a implicância com as meninas, a canela fina, a vontade de subir em árvore. Mas ganhou experiência, maturidade, visão. Foi então que entrou pra faculdade de cinema. Seu sonho tomava forma, cores e títulos. Fez novas amizades, muito diferentes das primeiras. Soube aproveitá-las, guardando as antigas com o zelo que mereciam. Foi aprendendo a colocar o pé no chão, fazer projetos, apresentar-se ao público, escrever, fotografar. Era bom em tudo, mas não perdia a humildade. Ele crescia não só em tamanho, mas em coração. Foi então que se apaixonou de verdade pela primeira vez: perdeu-se em devaneios, fantasias, imagens belas, poesias e músicas feitas só para eles. Perdeu-se por inteiro, do jeito que o amor sabe fazer. Com intensidade, guardava palavras, beijos e declarações. Os dias passavam, ensolarados. Um dia veio uma nuvem cinza e seu amor transformou-se em gotas de chuva, caindo e expalhando-se pelo chão. Ele sofreu, perdeu noites de sono e muitas lágrimas. Perdeu fotos, sonhos. Perdeu até a esperança.
Depois de um tempo, entendeu que havia ganhado vida. Sua história era rica, plural. Nesse tempo ficou mais introspectivo, escrevia menos, saía pouco. Mas ganhou confiança, fortaleceu amizades, reorganizou-se. E foi num dia cinzento que recebeu uma correspondência: um convite para levar seu filme a um festival famoso no exterior. Seus olhos ganharam um brilho intenso, com marcas de vontade. A alegria não cabia dentro do seu sorriso. Ganhou um abraço da mãe, um presente do pai, um chopp do melhor amigo. Ganhou também tempo, experiência, felicidade. Naquele dia, ele tinha entendido: nada havia que não passasse, tudo era encontro e despedida, chegada e partida, rasgo e reparação.

E naquele ritmo vivia seus dias, esperando e correndo, lutando e cedendo, abraçando e separando... num constante paradoxo. A montanha-russa finalmente encontrou sentido, ainda que não pudesse enxergar depois da curva.

3 comentários:

  1. MARAVILHOSO!!!!!!! Como vc consegue escrever coisas tão lindas? Parabéns!!!!! ;**** Beijos, Li

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  2. Anamel!!! que sensibilidade, você captou tanto os retalhos de uma vida, que pela segunda vez me pergunto se a pessoa existe, e quem é ela...
    Ái amo ler vc, me dei esse momento agora!

    Beijocas bonita!!!

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  3. Gosto de algumas coisas.
    Não gosto de outras, não gosto de uma história tão longa, tão simplificada assim.
    Mas é boa a reflexão.
    E haha, deixei aberto aqui e minha mãe leu e falou "Bonito. Quem é Anamel?" hahahah
    E é até engraçado pq eu vou fazer cinema, né. haha

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