domingo, 5 de dezembro de 2010

Sem teto e sem chão





Era uma tarde cinzenta. Lá estava, num banco de praça. Um banco que nunca havia sentado antes, numa praça que costumava ignorar. Toma um gole de café. A bebida desce quente pela sua garganta. Suspira. Quase pode ouvir o tic-tac do relógio. Um pássaro passa voando. Então, lembra-se dele. Mais um gole...

Palavras lançadas ao vento, certos abraços apertados, detalhes quase imperceptíveis: um passo mais lento, um olhar ensurdecedor, risadas cegas, gestos soltos, um piscar de olhos, talvez. O carinho que faltou, o atravessar paralisante, o descaso desconcertante. A falta.
E esbarravam em medos, regressavam sem soltar. Embaraço. Como um nó sem nós, envolto num laço frouxo e disforme.
Histórias escritas nas esquinas de uma cidade sem silêncio. Cúmplice. Histórias essas, regadas por xícaras de café, pelo balanço do metrô, nas entrelinhas de tantos livros espalhados, nas notas de um jazz desafinado. Reféns de palavras nunca ditas. Laço construído e desapegado, frágil, abandonado. Afeto sem teto, sem chão. Emoção provocada e lançada ao vento, procurando-se desfazer.
Roubou dela o respirar, o leve repousar e algumas lágrimas. Deixou em troca poesias, humildes conclusões e um mergulho em si mesma.
Encontro desencontrado, perturbado, profundo e raso, certo e tão duvidoso. Dor que se desdobra, só dorme um pouco, até que acorda. Fantasia, lembrança, vento...
Um esbarrão, um susto, um parêntesis: tem sua importância, carrega dentro de si um sentido. Mas a história continua com ele, apesar dele.
A dor, o frio na espinha, o acelerar dentro do peito: o tempo levou... fez voar. Levou também os diálogos, as fantasias, e (quase) todas as esperanças. Levou o que o vento um dia trouxe.
E o que ficou, era então, só dela. Só lhe restava colher os frutos e as flores pelo caminho.

Levanta a cabeça do livro rabiscado à sua frente. Mais um gole. Apenas fragmentos de uma história de (des)amor.

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